A Grande Arte

Outro dia me lembrei daquela polêmica do blog da Maria Bethânia ( a cantora baiana tinha ganhado quase dois milhões para manter o seu blog pelo programa de incentivo á cultura) e comecei a pensar nessa relação conflituosa entre arte e dinheiro.

Inegável que o dinheiro tem um papel fundamental na arte: seja a sua presença ou a falta dela. Peter Gay, historiador alemão, ao se debruçar sobre a arte moderna acredita que a condição de marginal é um das principais características do artista moderno - ele vivia sempre ás custas de um mecenas generoso ou tentando se manter com as próprias pernas em outros serviços menos nobres.

Segundo o mesmo historiador, hoje a situação se inverteu: o artista é valorizado. A maior vitória do artista moderno, segundo ele, é a conquista de um campo próprio, a arte agora possui sua autonomia ao invés de se vincular á política, religião, etc. Mas que tipo de artista é valorizado?

Acostumamos com duas expressões norte-americanas hoje quando se fala de arte, cultura, entretenimento, etc: mainstream e underground. Mainstream é aquela produção que conta com o apoio da mídia. Ela tem mais recursos e é voltada para mais pessoas, mas exatamente por isso ela perde em criatividade (é o que Adorno chama de indústria cultural). O Underground é o contrário: é mais limitade, tem menos qualidade, mas mais criatividade.

Meu amigo Diego Gatto em um post de seu blog Fagocitando São Paulo discutiu essas duas faces da mesma moeda e destacou muito bem a complexa relação que uma nutre pela outra: não é simples oposição, afinal, o mainstream queria ser criativo como o underground, enquanto o underground queria tero alcance e os recursos do mainstream.

Dizer que ambas são imiscíveis, feito água e óleo, é um pouco perigoso. Acho interessante como de um tempo para cá a indústria cultural tem tentado digerir o underground adotando inclusive sua cara e seus temas (o que podemos encontrar principalmente no cinema com a avalanche de histórias sobre família disfuncionais ou fracassados). Há também obras que se tornam undergroundo acidentalmente, são o caso, por exemplo, de muitos filmes e livros tidos hoje como "cult".

O cineasta Francis Ford Coppola há um tempo declarou na imprensa que acredita que o artista não deveria ser remunerado pelo seu trabalho. Não estava com isso tentando defender um projeto de transformação dos ateliês e estúdios em senzalas, mas criticando justamente a política de financiamento das artes. O patrocinador possui algum direito sobre a obra. O artista, na visão de Coppola e de muitos, fica refém do patrocinador e assim a sensibilidade artística e o brilho autoral vai para o beleléu.

O que Coppola defende é uma utopia. O artista nunca foi tido como um sábio, ele sempre foi refém dos poderosos, e parece que a situação não vai mudar. Mas mesmo assim é interessante como a política de incentivo cultural de muitos países tenta sempre passar uma imagem de que ela amparará todos os artistas e, no entanto, sempre privilegia uns e esquecem outros.

Esses "outros" tem que encetar uma verdadeira luta para divulgar sua obra, para despertar a sensibilidade do público, para ter reconhecimento. Uma luta na qual ele dá muito de seu sangue, suor e até lágrimas. O escritor Antônio Carlos Villaça se referia á uma Grande Arte como uma instância no mundo cultural onde residia o brilhantismo e a sensibilidade. Segundo ele, a Grande Arte exige muita força e dedicação de seus sacerdotes. Talvez a maior vingança desses artistas anônimos, que vivem á margem do mainstream, seja justamente essa: no final das contas, eles são os sacerdotes da Grande Arte.