A ESQUINA DOS VENTOS
Minha cidade do Rio Grande, no Rio Grande do Sul, tem como características dias ventosos. Mesmo tendo um grande balneário, com a praia mais extensa do mundo, nele o ar em movimento que se faz sentir constantemente causa reclamos até dos nativos, se bem que, já acostumados a estar à beira do mar, embora a areia fina esteja às vezes a bater-lhe no corpo. Os visitantes, que em maior número se fazem notar no verão, chamados de veranistas quase nem reclamam e tentam adaptar-se. Afinal de contas, alguns viajam cerca de centenas de quilômetros para poder desfrutar um pouco de natureza à orla do oceano Atlântico.
Um certo período do ano, que tem seu ponto forte no mês de novembro, o vento é mais constante e sopra com mais força. Não só na praia, mas também na cidade, a fina areia é levada a invadir residências, basta que haja uma fresta, uma nesga de janela ou porta, não bem fechada, ou mal vedada. Por vezes, ao dobrar uma esquina, dá-se de frente com uns pequeninos grãos de areia em suas viagens que complicam a visão dos transeuntes. Intrometem-se, também, em qualquer abertura que a roupa tenha.Geralmente, causam um certo desconforto por se postarem nas golas das vestimentas, importunizando o vivente por roçarem no pescoço, também, escorregarem pelo interior da roupa.
Há uma esquina, na minha Rio Grande, conhecida como “a esquina dos quatro bancos.” É que, durante muitas décadas aquela encruzilhada sempre teve um banco de cada lado, vizinhando em número de quatro. Situam-se à Rua Marechal Floriano Peixoto esquina Benjamin Constant. Mas, o mais interessante, na realidade, não são os bancos e sim, o vento. Aquele ponto dista de uma quadra do cais do porto velho e sempre tem um vento a correr, vindo das águas da Laguna dos Patos, aberta em longa extensão estuarina, a fluir no canal do Rio Grande, na beira do qual se debruça o antigo cais de pedra, onde ainda atracam pesqueiros que fazem um lindo quadro, com seus coloridos cascos e seus mastros a balançar, dado as marolas que o vento cria. Naquela quadra, do porto à esquina dos bancos, o ar converge para um verdadeiro corredor e percorre o quarteirão com uma velocidade que às vezes é de causar acontecimentos inusitados. Quando se anda pela rua Marechal Floriano, por exemplo, e chega-se na proximidade da esquina do Banco do Brasil, sente-se que o vento marca sua presença. Há que se firmar o chapéu na cabeça, o lenço no pescoço, ajustar o barbicacho, fechar os botões do agasalho, redobrar a segurança do que se traz na mão e por fim, firmar o pé no chão. O vento faz a pessoa andar mais depressa, ou se contrário, dificulta o andar. Tem-se que segurar as mãos das crianças, amparar os idosos e os fraquitos tem que se cuidar, senão, podem ser deslocados para um ou outro lado, conforme a direção em que o vento estiver soprando. A esquina fatídica é um lugar irreverente em que não há respeito pelos recatos femininos cobertos por saias curtas ou cumpridas, pois este moleque serelepe, o vento, apronta sua peraltices, deixando ao público o que até então estava em âmbito privado. Um detalhe interessante é que não precisa estar tempo feio. Até em pleno verão, sol que racha e lá está o vento, quente que parece queimar. Nos ensolarados e frios dias de inverno, lá está o vento fazendo gelar os ossos. Com chuva ou com sol, com frio ou calor, sempre ele, o vento, está na esquina dos quatro bancos, ora mais forte, ora mais fraco, mas, sempre marcando presença. Sempre, mas sempre mesmo,há vento a sacudir os transeuntes que, acostumados com a loucura das ventanias uivantes, não fazem caso das sacudidelas que tomam de lufadas menores, nem sentem seu débil assobio. O ímpeto dos ventos na esquina, bem poderia me levar a intitular esta crônica de outra maneira. Bem, mas aí eu estaria plagiando Emile Brontë. Porém, com certeza, se ela vivesse aqui, teria escrito “A esquina dos ventos uivantes” e não “O morro dos ventos uivantes”.