Cadê
            Santo Antônio?




                            Passava, ao cair da tarde, pela pracinha, aqui perto de casa. E, no seu jardim, surpreendi uma coroa colhendo, delicadamente,  uma icsória. Que instante de ternura plena, em pensei, admirando-a com relativa discrição... A moça parecia estar sozinha no mundo, tão marcante era a sua concentração apanhando, de joelho, a ecsória. A flor, apenas a flor, era o que lhe interessava naquele momento de sol sumindo.
Ela vestia uma bermuda azul celeste.
Imaginei-a vindo de uma academia de pilates.
Aparentemente sem rugas, sem varizes e sem celulite, a distinta coroa deveria ter, de idade, uns trinta e poucos. 

Uma mulher elegante! Mas tinha a cara triste e preocupada. Que, afinal, estaria acontecendo com a mulher da icsória? Seu ar de tristeza e preocupação levou-me a abordá-la com um "Boa tarde!" cauteloso e tímido. Ela me olhou assustada.
Apontando para a igreja, que fica ao lado da pracinha, falou-me um pouco sobre Santo Antônio, e disse enfática: "Esta icsória é pra ele." E num tom aproximando-se de um ressentido protesto, comentou: "Cadê Santo Antônio? Faz anos que lhe peço um namorado, um noivo, uma marido, até um amante e ele faz ouvido de mercador! Tô retada (bainês) com esse santo que o povo chama de santo casamenteiro." Mostrando-me seu belo corpo, arrematou: "Veja: não sou de se jogar fora...Só Santo Antônio não vê isso?"
Solidarizei-me imediatamente com ela, arrancando-lhe um sorriso de canto de boca...
Sentamo-nos num banquinho da praça cercados de viçosas icsórias e vigiados, de perto, por dezenas de curiosos e ariscos pardais.

Quis descontraí-la, contando-lhe um pouco da história de Antônio de Pádua que aprendera nos meus tempos de seminarista franciscano.
Notei, porém, que se eu estivesse - como certa ocasião Santo Antônio o fez - falando pros peixes, todo aquele meu blá-blá-blá antonino estaria sendo mais bem aproveitado. 

A mulher da icsória queria mesmo era saber por que, depois de tantas preces, promessas, trezenas, simpatias e ladainhas, o santo casamenteiro ainda lhe não havia dado o homem de sua cama... o "senhor" de sua alcova. Balzaquiana, sua angústia era justa e compreensível.
Resolvi, então, mudar o rumo da conversa. Deixei de lado a biografia do santo e passei a recitar versinhos populares que pedem a Santo Antônio, no dia 13 de junho, um bom casamento, ou, quem sabe, uma doce e duradora mancebia...
Versos como estes da poetisa Lêda Mello que, por acaso, encontrara, dias antes, no milagroso Google:
      Ó, Santu Antôim!
     Ai, meu Santu Antôim quirido,
     Qué qui ocê andô fazendu
     Qui isqueceu du meu pididu?
     Vá logo mi socorrendu.
     Abra bem us seus uvidu,
     Tô vexadea, ocê tá vendu.
     Tanta fvela qui acendi,
     Tantu têoçu qui rezei,
     As preméssas qui cumpri,
     As vêiz qui mi ajueei.
     Inté as conta perdi,
     Dus pecadu que paguei.
     Num tenhu máis paciença
     Pra pedí neim pra rezá.
     Ocê vai mi dá licença,
     Sêjipur beim ou pur má.
     Pois me bateu a discrença
     Qui ocê mi ajudá.
     Pode num sê boa fé,
     Máis u jeitu é eu fazê:
     Li pinduru pelus pé
     Inté ocê atendê.
     Dispois num fali qui é
     Covardia cum ocê.
     Quéru vê se dessa vêiz
     Ocê num vai mi atendê!
     Dou inté o fim du mêis
     Pra módi arrecebê.
     Si arresôrva de uma vêiz
     I dmi dê meu bem-querê.
     Tô perparando quindim
     I amendoim torradu
     Pra isperá meu bemzim
     Cum carim i cum agrádu.
     Quéru festejá tudim,
     Cum u meu xodó du ladu!.

Ela me disse ter adorado...
Nos despedimos.
Pelo rabo do olho vi quando ela, passos firmes e elegantes, entrou na igrejinha iluminada, com uma icsória nas mãos...


                      
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 10/06/2011
Reeditado em 17/12/2019
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