Sobre o Eu, A Ferramenta da Palavra, Os Amores Descontrolados e as Crônicas.
Engraçado. Eu que estou sempre perdida em meus dilemas, sempre hasteando bandeiras e gritando por alguma razão; eu que digo ter como objetivo de vida o sentimento de ter realizado algo que valha a pena, algo que faça acontecer; eu que sempre fui a da voz ativa, a do apelo social; eu que escuto Projota antes de dormir; eu que sou conhecida pelo potencial argumentativo; eu que estou sempre brigando pelas coisas que acredito; sim, eu mesma, me peguei hoje relendo os meus fragmentos, meus gritos e sussurros cravados em páginas pelo teclado, e percebi que em tudo que escrevo só existe eu, não sei se estou conseguindo ser clara.
Eu grito nas minhas tardes e noites, mas quando uso da minha ferramenta de expressão, a escrita, só consigo falar de mim. E nem é um ‘falar de mim’ tão vasto, é um ‘falar de mim’ que só fala das dores, parece que só consigo escrever quando estou com febre emocional, com a alma fisgando de dor, e são dores minhas, nem são as dores de todo o meu povo, não são as dores da minha profissão, as dores dos meus objetivos por vezes colocados em questão, não são as dores das minhas lutas, as dores da minha reflexão e do meu questionar, são as dores que doem por dentro, as dores que os malditos amores fazem doer.
Engraçado. Hoje escrevo meus roteiros e lá consigo falar do que é externo, é claro que eu estou presente em cada personagem, em cada pausa e cada questão, mas consigo falar de mim falando dos outros. Já quando me encuco em escrever poesia, só consigo escrever gritando ‘EEEEU’, eu e toda dor que pode advir de mim. E é terrível pensar nisso, já que não preciso parar pra pensar muito pra perceber que somando as conquistas e as supostas derrotas, amigos e inimizades, as viagens e os fins de semana em casa estudando, os bares de sexta, as praias de domingo, os feriados com os meus irmãos e as discussões com meu pai, o estresse e o alongamento antes de dormir, as caminhadas olhando o mar e as, hoje raras, lágrimas sufocadas no travesseiro, sou feliz. Não a felicidade de graça, a felicidade contente, mas a felicidade batalhada, a felicidade de quem enfrenta e é recompensado, sim, sou muito feliz. Mas parece que gosto de falar de dor.
E hoje escrevo menos poesia, não sei se isso é bom ou ruim. A pressa do dia-a-dia, a mente por vezes ocupada demais pra se dar o direito de viajar em pensamento, as listas de ‘o-que-fazer-hoje’ tem me impedido de escrever. Mas não acho que seja só a rotina. Acho que hoje escrevo menos porque tem doído menos. Também não sei até que ponto isso é bom. Passei um longo período de ‘eu e mais eu do que já era eu’, acho que me embarreirei, me coloquei dentro de uma redoma, e essa redoma me protegia da dor, mas também me protegia da emoção. Não estou falando de todos os sentidos da minha vida, não, inclusive nos últimos tempos realizei algumas das coisas mais importantes que já fiz até hoje. Estou falando dele, o maldito ou bendito sentimento, que tantas vezes me fez chorar de soluçar dentro do carro do meu pai ouvindo ‘Vento no Litoral’ do Legião Urbana. O mesmo sentimento que me fez outras tantas vezes entrar no mar pra ver se ele levava embora a dor. Que me fez ver em todas as placas do centro da cidade os nomes que eu não queria ler. Mesmo sentimento que me fez pegar chuvas, rabiscar poemas e gritar comigo. Sim, parece que o amor sempre foi dor pra mim. Só que não tem doído ultimamente e isso me fez parar e me questionar algumas coisas.
Não sei se se foram os tempos do sentir descontrolado, da vontade louca de ver aquele alguém que me fazia querer andar pela rua o procurando entre as pessoas que passavam, que me fazia querer gritar seu nome entre as paredes de mim pra ver se o achava, que me fazia perder a concentração, o controle, o juízo. Não sei se se foram os tempos de paixões alucinadas, mas confesso que delas sinto falta. Porque junto com as lágrimas vinham aqueles segundos de perca de fôlego, aquele toque que arrepiava a pele de um jeito que não acontece lá muitas vezes na vida, junto com as falhas nossas e as dos outros vinham os sorrisos mais sinceros e os abraços mais apertados. Junto com a dor vinha a alegria infinita, vinha a verdade de toda aquela história, e as coisas só valem a pena se tem verdade.
Hoje, posso viver um conto ou outro, que não chegam nem a ser contos, estão mais pra crônicas não muito emocionantes e olha que eu sou louca por crônicas. Só que as crônicas só se tornam boas crônicas quando tem a palavra certa na hora exata, quando tem algo de único nelas, quando o são por inteiro. E essas crônicas que as vezes vivo podem até ter algumas reviravoltas, alguns diálogos bem construídos, as vezes tem até um quê de original, mas essas crônicas não tem a verdade que uma boa crônica tem de ter. Tem uma coisa ou outra de boa, mas só por dar espaço pra que se analise nela o que é bom e o que é ruim já não é completa, porque as boas crônicas nos anestesiam, nos fazem ficar paralisados, reprisando cada palavra, cada momento. As boas crônicas ficam marcadas em nós por toda viva, adentram o nosso DNA, ficam tatuadas em nossa pele. As crônicas que não se são por inteiro podem até parecer boas, as vezes nos fazem parar pra pensar, as vezes melhoram algo em nós, as vezes, um pouco mais raramente, podem até nos extasiar, mas nunca por inteiro, afinal, não são verdadeiras crônicas. Delas fica uma palavra ou outra, fica alguma sensação que ela nos passou, mas não fica a crônica, ela não passa a viver dentro de nós.
As minhas crônicas estão todas comigo, eternizadas em cada parágrafo, fazendo honra a cada emoção que me trouxeram. Mas como já disse, as crônicas novas não tem vindo. Não reclamo, pois sei bem que muitas pessoas nem tiveram em vida a honra de viver crônicas como as que eu vivi. Mas dizem que nada acontece por acaso, talvez eu tenha nascido pra escrever crônicas e discursos de guerra, tenho honrado meus discursos de guerra, gladiado com todas as minhas forças e estou extremamente feliz por estar trilhando o meu caminho e seguindo com a minha ferramenta que é a minha palavra. Talvez em um momento solto qualquer, na hora mais inesperada do mundo eu tropece em alguma crônica e ela passe a viver dentro de mim. Dizem mesmo que toda crise criativa uma hora tem fim e eu tenho sentido o cheiro das letras que permeiam as crônicas. Se o meu olfato não me engana, depois de tanto tempo, estou realmente me permitindo sentir, sentir o mundo de uma forma mais ampla, talvez nasça de mim uma crônica.
18.05.11