A ÁRVORE E A TEMPESTADE

Extraído do Blog Lírio Urbano

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Junho 1, 2010 por Deífico

Ela era uma árvore frondosa toda cheia de galhos carregados de folhas verdes e vivas. Parecia um verdadeiro condomínio de pássaros de várias espécies; Pardais, sabiás, bem te vis e outros; cujos nomes desconheço.

Nas madrugadas se transformava em um verdadeiro palco musical, pois os cantos maviosos e polifônicos espraiados dos gogós dos pássaros, anunciando a alvorada, serviam sempre como o primeiro despertar, antes dos despertadores mecânicos darem os seus alarmes irritantes.

Nas ensolaradas tardes quentes de verão ou noites abafadas, ela funcionava como um grande ventilador natural, transformando qualquer bafo de ar quente em uma brisa agradável, deliciosa e refrescante, através das suas folhagens abundantes.

A rua onde moro é toda arborizada de ponta a ponta, mas, a árvore quase de frente da janela do meu quarto, parece ter sido enquadrada na imaginação através da moldura de alumínio, confrontando com a barra dourada do céu quando o sol está se pondo no horizonte, formando uma cortina avermelhada das nuvens brilhantes.

Tudo parecia que continuaria bastante calmo naquele dia 12 de janeiro deste ano. Tudo levava a crer que, as tempestades que assolam São Paulo desde outubro do ano passado dariam uma trégua para esta cidade, um armistício verdadeiramente na acepção da palavra.

Pois,quando qualquer chuva que cai sobre a capital,mesmo com pouca intensidade, devido à falta de educação da população, as ocupações erradas, o descaso do poder público e a falta de estrutura que perdura há décadas, acabam se transformando em uma intempérie, um verdadeiro estado de guerra para todos os que habitam esta megalópole.

O dia amanheceu com nuvens normais, com o sol brilhando intensamente, reinando causticamente na manhã e quase toda à tarde. Aos poucos, os blocos de nuvens foram se aproximando e, como se tivessem agendado uma reunião para o céu de São Paulo, começaram a se agrupar.

De repente, como em um passe de mágica, o manto azul estava completamente coberto pelo manto imbrífero. O cenário já estava formado. A escuridão chegou mais cedo. Diferenciar o final da tarde com o início da noite, embora fosse horário de verão, só era possível pelo relógio.

Os relâmpagos clareavam os céus enegrecidos da cidade dando a impressão de que havia uma incursão de baterias antiaéreas, o ribombar dos trovões e o estrondar das centenas de raios que castigavam a cidade. Para variar a energia elétrica faltou. As velas e os relâmpagos eram a iluminação disponível naquele momento. Os sons da chuva, do vento e dos trovões substituíram o som dos televisores.

Ouve- se um forte estrondo de um raio, acompanhado de um barulho ensurdecedor de telhas caindo e algo mais. Subitamente ouve-se um grito de alguém:

– Caiu uma árvore no estacionamento!

E era ela. A árvore da minha janela. Da janela do quarto. Estava inteirinha no chão.Foram dezesseis anos acompanhando toda a sua trajetória de crescimento desde o dia em que foi plantada até ser uma vítima da tempestade.

Hoje a minha janela está órfã de uma árvore. Já há outra plantada em seu lugar que terá uma longa e grande trajetória no tempo, até chegar ao estágio desta que foi tombada pela tempestade. Espero que esta nova árvore resista a todas as tempestades naturais e, também, aquelas provocadas pelas mãos do homem.