CANIVETE SUÍÇO .

 

 

    Das coisas que mais desejei ter na minha juventude foi justamente um canivete suíço, desses que têm mil e uma inutilidades . Cheguei a juntar moedas, deixar de ir ao cinema nos fins de semana e quando ia, não comprava pipocas e nem caldo de cana com pastel de queijo , só para economizar o suficiente para comprar o bendito canivete.

    Pedir dinheiro para meus pais nem pensar e mesmo que tivesse o sonhado canivete, teria de escondê-lo dos meus professores , dos meus amigos e até de uma jovem morena de cabelos encaracolados e olhos castanhos que eu já andava de olho fazia tempo.

    Afinal de que me serviria uma coisa que desejava possuir ardentemente se não poderia exibi-lo e na verdade , pensando bem , não seria útil em nada ?

    Entretanto na vida tem certos sonhos que perseguimos, travamos enormes batalhas para conquistar sem mesmo saber se tais sonhos nos proporcionariam felicidade e que seriam o melhor pra nós.

    E eis que num belo dia depois de muita economia e sacrifícios finalmente , com ar triunfante como se fosse o rei do pedaço e dono de todas as conquistas do mundo entrei na loja e comprei o sonhado canivete.

    Minhas mãos tremiam quando pude segura-lo, sentir seu peso e seu cheiro e olhando desconfiado para todos os lados pedi ao balconista para que ele fosse deixado na caixinha original e embrulhado para presente, também num papel de seda vermelho.

    Para que minha meia dúzia de leitores possa ter uma ideia, na noite em que comprei o meu pequeno tesouro vermelho dormi com ele debaixo do travesseiro e não me surpreenderia se , já sonhando com os anjinhos o abraçasse firmemente com receio de que alguém pudesse tirá-lo das minhas mãos.

    Não tenho certeza de quanto tempo fiquei com aquele pequeno trambolho e nunca pude mostrá-lo a nenhum marmanjo e nem exibi-lo para a tal morena de cabelos encaracolados e para falar a verdade, só uma ou duas vezes consegui abrir todas as suas lâminas até que percebi que aquilo que tinha me custado tanto sacrifício era na verdade um enorme trambolho, um grande peso na minha vida e que me custava um esforço enorme mantê-lo escondido.

    Cansado daquela situação, num desses domingos em que voltava da missa das sete dei o tal canivete de presente para o primeiro mendigo que encontrei, na esperança de que aquele trambolho, aquela incrível ilusão pudesse ter alguma utilidade para aquele pobre homem .

    Hoje, refletindo sobre o assunto confortavelmente instalado na paz da minha varanda super mágica , percebi quanta inutilidade consegui colocar na minha vida , muitas delas exibidas escancaradamente e que ao invés de me ajudar em alguma coisa muito pelo contrário, só atrasaram minha caminhada.

    Comparo aquele canivete cor de sangue com suas incontáveis lâminas a muitos dos meus defeitos que insisto em manter , como por exemplo minha teimosia e o meu lado radical .

    A cada dia que passa procuro me aprimorar, corrigir minhas falhas mas tenho absoluta consciência que nesta vida ainda terei muito que melhorar e com certeza, não terei o tempo suficiente para corrigir alguns dos meus erros, pedir perdão a todos os que magoei, feri e não dei ouvidos.

    O que posso sugerir aos que ainda continuam com a paciência de me ouvir é que, analisem bem antes de idealizarem um sonho que não os levará a nenhum lugar, não trará nenhum tipo de alegrias , felicidades e nem progresso.

     Cada vez que me lembro ou tropeço numa imagem de um canivete suíço percebo o quanto fui tolo dando valor a tantas inutilidades .....


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(.....imagem google.....)

WRAMOS
Enviado por WRAMOS em 04/06/2011
Reeditado em 16/04/2013
Código do texto: T3014719
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