Poesia
Ela estava recolhendo o lixo da sala. Não havia muito tempo que trabalhava ali, dois ou três meses no máximo, e já conquistara a todos com seu bom humor e seu jeito extremamente peculiar. Certamente não havia ninguém no mundo como ela, era simplesmente o que tinha vontade de ser e aquilo lhe parecia algo natural, como se todos também fossem o que desejassem. Enquanto recolhia o lixo, contou-me que gostava de poesia, como se tivesse acabado de se lembrar daquilo. Não era segredo para ninguém que eu gostava de livro e palavras e poesia, então, de súbito, ela disse: "Eu faço poesia". Ela não só gostava, mas fazia, era uma poeta. Fiquei orgulhoso e não poupei elogios, por fim, pedi que trouxesse alguma de suas poesias para eu ver e ela, com um olhar envergonhado, disse que traria.
No entanto, ela não trouxe e acabei me esquecendo daquilo. Alguns dias depois, nos encontramos na hora de assinar o livro de ponto. Eu estava avoado, pensando no que faria depois do serviço, quando dei por mim, ela estava escrevendo seu nome com extrema dificuldade e todas as outras assinaturas eram tão desajeitadas quanto a daquele dia. Quando terminou a assinatura destreinada, convidou-me para ir a sua casa para tomar café e ver suas poesias, afinal de contas, ela não havia se esquecido da promessa. Aceitei e à tardinha fui ao endereço que ela me dera, duvidando de que alguém que mal sabia escrever seu próprio nome seria capaz de fazer poesia.
Tomei café e comi bolo de milho. Por fim, ela disse: "É hora de poesia". Ela se levantou e me levou ao jardim dizendo que queria me mostrar a primeira poesia que não era mais do que cuidar de um canteiro de begônias, azaleias e malva-rosas. Aquele jardim parecia um recorte de algum outro lugar, um lugar sem concreto, sem trabalho ou lixo. A segunda era cuidar de seu marido doente e lhe dar toda a força e coragem que ele não possuía por si mesmo e, por último, havia a poesia de sua felicidade, porque ela era obviamente muito feliz.