“Tempos difíceis, Sobras de Portugal”

Crónica baseada em factos reais

“Livro-vos da guerra

Mas não vos posso livrar da fome…”

António Oliveira Salazar

1889-1970

A história vive dividida na verdade ou no mito, ou naquilo que se quer fazer dela consoante as conveniências do momento.

Quando, por exemplo, na actualidade se vive um momento delicado, de crise, há uma certa tendência para se olhar para uma altura da história onde tudo parecia correr bem, ou pelo menos melhor do que os tempos que se criticam.

É o que se pode chamar de “revisionismo” ou de pura e simplesmente branquear a história.

Neste ano de 2011, em que Portugal vive mais uma das suas cíclicas crises, o revisionismo está de volta, e muita gente que não viveu esses tempos passa admirar um dos nossos mais obscuros e pardacentos lideres, neste caso Salazar.

Nos tempos antes, durante e posteriores à Segunda Guerra Mundial, as finanças estavam relativamente equilibradas, e as reservas de ouro eram assinaláveis mesmo a nível mundial.

Elogia-se então o estadista da altura, invejando esses tempos porque os nossos cofres hoje estão vazios ou quase, ao ponto de, mais uma vez, termos que estender a mão ao mundo basicamente a pedir esmola…(não é bem assim, o que pedimos emprestado vamos pagar com juros elevados, numa questão que seria de usuário-cliente, mas como o usuário é a União Europeia e um certo FMI, o termo usuário não se aplica pois poderia ferir certas susceptibilidades…)

É inegável que Salazar manteve os cofres cheios, mas isso foi a um preço que muita gente desconhece ou não quer ver, se bem que os factos não estão escondidos, estão à vista…

O preço…

Salazar vendeu minério para o fabrico de bombas, quer a aliados, quer a nazis, vendeu a muito bom preço, dai não ser de admirar termos “algum” dinheiro…e parte do dinheiro pago pelos nazis veio na forma de barras de ouro, confiscadas ilegalmente tanto a nações ocupadas como roubado a judeus que de seguida fizeram desaparecer nos infames Campos de Concentração…

Quando os ventos da guerra começaram a mudar, Salazar cedeu a base das Lajes dos Açores aos EUA, e tanto os pilotos como restante pessoal de apoio ficaram espantados, mesmo chocados, com o grau de miséria, de pobreza extrema em que viviam os habitantes das ilhas, algo que era comum à maior parte do continente.

Tínhamos ouro, tínhamos dinheiro, mas de que serve a aparente riqueza se a população vivia na mais profunda das misérias…?

Quando os ventos de Guerra começaram a soprar pelo mundo, Salazar assumiu o compromisso de nos livrar dessa Guerra, mas de não nos poder livrar da fome…

Nas cidades a alimentação passou a ser racionada bem como nos campos, o que não era dado pelos campos (ou que era retirado/confiscado aos seus produtores pelas autoridades…) tinha que vir das cidades, e assim mulheres de todas as idades caminhavam de noite, ao frio, à chuva, descalças (porque o calçado nessa época era um bem quase ou mesmo de luxo…) para de manhã estarem nas filas de racionamento e poderem receber o seu pão, que poderiam bem fazer nas aldeias, algo tornado impossível pelo confiscar dessas matérias primas…

Esta parte vem de relatos familiares, família que nunca passou fome porque ainda possuía alguns bens, mas sei que muita gente passou fome, e se calhar demasiada morreu de fome…

O povo conformou-se, afinal eram os tempos que se viviam, mas o povo talvez não se tivesse conformado se soubesse algo que ou lhe estava vedado ou era mais ou menos ocultado…

Nos tempos de Guerra um Tio-Avô meu cumpria o serviço militar no norte do país, na fronteira espanhola, mais precisamente na localidade de Barca de Alva, por onde passava uma célebre linha de comboio entretanto desactivada nos anos 90…

E na fronteira, ele viu passar parte da ignomínia, parte do crime de Salazar para com a sua população…

Via passar vagões cheios de comida, quantidades enormes de comida, que levavam o letreiro “Sobras de Portugal”…

Essa comida era destinada à frente Leste, Soviética Nazi, era comida destinada a abastecer as tropas de Hitler que combatiam o inimigo ideológico comum, o comunismo…

Naturalmente que o meu parente não podia vincular tal, mas homem de profunda honestidade e justeza, certamente que se enojou com essa visão, pois sabia que o seu povo passava fome, enquanto que a comida que tanta falta lhe fazia era mandado para um exército que se cobriu não de gloria, mas de infâmia pelos incontáveis crimes de guerra perpetrados tanto sobre civis como sobre militares no âmbito da sagrada cruzada anti-bolchevique…

Salazar, o celebrado Salazar condenou gente, a sua gente à fome ou à morte pela fome para alimentar a máquina de guerra do pior e mais criminoso sistema político militar da história da humanidade…

E no entanto ainda hoje é glorificado, e no entanto pessoas vão ler este texto, mas de facto não o vão ler, achando que foram factos menores, ou pura e simplesmente são factos que não correspondem à verdade, quando esta é a mais pura da verdade…

Para não falar dos refugiados republicanos espanhóis da guerra civil dessa nação, que Salazar conduziu à fronteira para serem presos e executados pelas tropas do seu fiel aliado Espanhol Franco que esteve a um pequeno passo de invadir Portugal…

Para não falar da proibição de emissão de vistos a judeus aos nossos diplomatas na Europa, judeus que fugiam do nazismo, condenando estes à morte…

Sim, Salazar foi um Grande Homem, foi um Grande Estadista, mas noutra dimensão, noutra realidade paralela, noutra história que não nesta, não na minha, não na nossa…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 04/06/2011
Reeditado em 04/06/2011
Código do texto: T3014096
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