Coisas da Adolescência    

          Me lembro apenas que era adolescente, porém, não tenho certeza de qual era exatamente minha idade.Trabalhava de guarda-livros para um empreiteiro da fazenda, onde meu pai era arrendatário. Se alguém solicitasse algum serviço, além das minhas atribuições, teria de pagar por ele, assim era o combinado. 
          Entretanto, só dependia de minha própria vontade fazer, ou não, outros serviços, uma vez que em minha função, eu só trabalhava mais exaustivamente na parte da tarde, quando a turma estava chegando do trabalho e aproveitava para levar mercadorias. 
          Eu recebia mensalmente duzentos cruzeiros, mas não sobrava nada para gastar com supérfluos, ainda que gastasse pouco. 
          A vendinha do Seu Grabriel era a mais próxima da fazenda e ficava à, mais ou menos, uns cinco quilômetros.  

          Eu quase não a frequentava, porque, como todos sabem, moleques preferem as peladas de finais de semana; as caçadas de estilingue; a pesca de anzol e os banhos de cachoeiras, etc. 
          Oh! Tempinho bom, sô! 
          O fazendeiro visitava a fazenda apenas duas vezes ao ano.
          Mesmo sem ser recompensado por serviços extras, eu o ajudava com suas tralhas e com suas abelhas. Imaginava como uma pessoa de poucas posses podia me dar alguma gorjeta, enquanto ele, fazendeiro e cheio da grana, só passeava em sua novíssima caminhoneta preta, nunca me dera um centavo sequer. Até parece que eu tinha a obrigação de ajudá-lo.  
          Como se não bastasse! Certo dia ele me pediu que fosse até a vendinha do Seu Gabriel e trouxesse algumas garrafas de refrigerantes. Para que vocês vejam que não estou mentindo, me lembro até a marca da bebida, “CRUSH” que já não existe mais no mercado. 

          Fiquei feliz. Achava que ia receber alguns trocados para comer um doce, tomar um refrigerante, talvez, com um pouquinho de sorte, comer alguma coisa mais cara como, por exemplo, um bom sanduíche de mortadela, coisa rara naquela época. 
          Mas que sujeito “mão de vaca.” Se quer me deu um cavalo para que eu não precisasse ir a pé e ainda me deu o dinheiro contado, de forma que não me sobrou nada, nem mesmo para comprar uma bala de mel; que na época era das mais baratas. 
          Hoje eu bem sei que nome se dar ao comportamento do tal fazendeiro, mas naquele tempo, eu nem sabia o que era exploração de menores. 
          Mas a minha vingança veio no momento em que ele jamais imaginara e do modo mais austero e perspicaz. Doce como mel! Mas ele bem que fez por merecer. 

          –Como foi? 
          Calma! Vou contar tudo direitinho. 
          Minha mãe sempre me ensinou que nunca tocasse em coisas alheias, e eu aprendi muito bem essas lições. 
Este caso, no entanto, foi uma exceção.     
          Pois o tal fazendeiro tinha uma criação de abelhas jataí no porão da sede da fazenda. 

          Eu conhecia muito bem aquele local, sempre que ele viajava, eu dava uma passadinha por lá para ver como estavam as minhas amiguinhas produtoras de mel. 
          Ele sabia disso. 
          Depois daquele episódio de exploração que me fizera passar, resolvi deixar minha marca em uma de suas colméias e comi todo o mel que aquelas dóceis e inofensivas abelhinhas produziram. 

          Mas que doçura de mel! Muito mais doce que as balas e doces que, caso ele me desse alguma gorjeta, teria comido. 
          Confesso que em toda minha vida, jamais saboreei tão licorosos favos, que, em sabor e em suavidade, excedessem àqueles. 

          Além, é claro, do gostinho doce de poder dar o troco por todo o descaso recebido de alguém que não soube valorizar meus préstimos e minhas colaborações. 
          O fazendeiro, quando soube do acontecido, ficou possesso. Ele sabia quem teria feito tal agravo, mas não tinha provas contra mim. 

          A fim de me apanhar em alguma palavra que me incriminasse, ele vivia me investigando, porém sem sucessos. 
          Felizmente minha sutileza não permitiu que minha boca me denunciasse. 
          Não sei se fiz a coisa certa. Porém, acho que fui justo. 

          Tendo o feito apenas para dar a devida lição a quem não aprendeu nada com a vida.

 

Hanilton Di Souza
Enviado por Hanilton Di Souza em 03/06/2011
Reeditado em 10/04/2014
Código do texto: T3013004
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