O Rio de Janeiro de todos nós
Ontem conversei pelo telefone com meu amigo-irmão Manoel Vidal, carioca nato e hereditário.
Sempre o conheci como homem sério, cumpridor dos seus deveres, mas sem perder o bom humor e que sabe rir das peripécias da vida.
De repente, ele me solta essa: - “meu amigo, estou aqui com um belo relato sobre a personalidade do povo japonês, incrível como eles são disciplinados, persistentes, resignados e pacientes. Eles são, realmente, um exemplo para o mundo. Sabe, deu-me uma vontade imediata de escrever exaltando esse tipo humano e desejando até imitá-lo. Porém, no mesmo momento, verifiquei que o brasileiro não é assim e vive muito bem com seu jeitinho, com seu lado moleque de ver a vida. E, imediatamente, desisti de seguir o modelo japonês”.
O que eu poderia dizer aos amigos, diante deste depoimento sincero do Vidal, um cara nota dez! Só poderia dizer, naturalmente, que o meu amigo teve um momento raro de clarividência. O que ele percebeu, enxergando, finalmente, as virtudes do brasileiro, é o que venho dizendo há muito tempo, volta e meia em minhas crônicas. E vou revelar algo para o Vidal que o deixará surpreso: um carioca nunca deixar de ser carioca.
Dizendo em outras palavras: o Brasil ainda não descobriu o brasileiro. Digo: o brasileiro bom, afetuoso, generoso, brincalhão e muito eclético em matéria de religião. O jeitinho brasileiro significa apenas o tal poder de adaptação que a natureza nos ensina de minuto a minuto.
Eu diria, sem querer jamais desprezar a grande e maravilhosa diversidade dos brasileiros espalhados por esse Brasilzão, que o carioca, por razões ainda desconhecidas, tem essa sensibilidade para captar esses fenômenos humanos e se sair com essa: - “tudo bem, o japonês é um exemplo, mas não posso abandonar o meu jeito de brasileiro e esse estado de espírito carioca”. Tenho certeza que poderia falar a mesma coisa do mineiro, do paulista, do gaúcho, do nortista, do nordestino, enfim, de todos os brasileiros. Estou falando do carioca porque toda minha experiência de vida se deu no Rio de Janeiro.
Felizmente, consigo entender o que diz o meu amigo. Sim, porque apesar de não ter nascido no Rio, fui descaradamente adotado pelos cariocas. Para que todos entendam, poderíamos resumir nesta máxima: Somos sérios, sem perder a malemolência e a eterna molecagem carioca. Outro dia, assistindo ao programa do grande Boldrin, um excelente sambista paulista foi muito verdadeiro e tacou esta: “nós paulistas também fazemos samba, mas somos mais ásperos que os cariocas”.
Dirão alguns: “mas não é isso que vemos nas notícias”. E eu diria: estão redondamente enganados, as notícias relatam as exceções, são tendenciosas. E digo mais: um pequeno retoque no quesito honestidade deixaria o nosso Brasil em primeiro plano. E convidaria o amigo cético para andar comigo nos subúrbios cariocas. Nessa hora, o amigo descobriria o carioca da gema, não o grã-fino e o estrangeiro que moram na zona sul. Esses não são cariocas, são uns “cinturas duras” de cabeça e de coração, jamais conseguirão entender o verdadeiro Rio. Vejam bem, queridos leitores, sem querer ser maledicente: estão observando bem o comportamento da turma do primeiro mundo? estão notando o que andam fazendo? Só faço estas duas perguntas, sem entrar em detalhes.
Mas voltemos ao Rio, num passeio imaginário, o amigo conheceria o que é amizade, solidariedade humana, a verdadeira arte, virtudes que se encontram no subúrbio, no Rio profundo. Aliás, o tão falado calor humano é próprio do brasileiro e adianto logo: todo brasileiro, mesmo que não confesse, no fundo, no fundo tem um pouco da alma carioca. Todos temos obsessão pelo Rio.
Contra todas as opiniões abalizadas, de psicólogos a sociólogos de gabinete, sonhei um dia com o profeta das caatingas, do alto sertão. Ele, com seu cajado, com os olhos esbugalhados e olhando para os céus, exclamava sem parar, como numa cantilena: “ O mundo só vai melhorar quando se abrasileirar, o mundo só vai melhorar quando se abrasileirar”.