Cotidianamente Brasil!

Hoje meu marido conseguiu um saco de pão seco numa padaria aqui perto de casa. Foi aquela festa com a molecada. Desde ontem que não comiam nada, o pão veio a calhar. Deu pra matar a fome, o dono da padaria foi generoso, e ao invés de jogar todo aquele pão fora, ele nos deu. Tinha alguns que estavam já mofados, mas o que não mata engorda né, e se engordar, melhor. Os meninos estão tão mirradinhos!

Minha nenê mais nova tem um mês de nascida. Eu tive a tal da depressão pós parto e não tenho leite para amamentá-la. A enfermeira lá do posto mandou eu largar de ser fresca, que isso é problema de rico, que pobre não tem direito de dar esse tipo de piti. Mas fazer o que, aconteceu!

Eu não arrumo emprego por causa das crianças que são muito pequenas, eles falam que criança atrapalha, que fica doente, que a mãe precisa faltar serviço pra levar ao médico. Mas criança come, veste, precisa de uma casa que pelo menos não chova dentro, de um lugar decente para dormir... Isso ninguém vê, ninguém fala!

Minha filha está lá, no colo do pai, eu realmente não consigo nem pegá-la no colo, não dá, tenho até medo do que eu possa fazer. Meu marido é atencioso com a filha, até faz o mingauzinho de fubá que ela mama. Leite mesmo já faz uma semana que não tem. Comprar de que jeito? Com que dinheiro? Os dois mais velhos não passam fome, pois eu consegui uma vaga na creche da prefeitura, lá eles comem e ainda trazem uma fruta e um pão cada um pra casa. Pelo menos isso o nenê de um ano come todo dia. O duro é no fim de semana, que não tem creche, aí a coisa fica feia!

Ontem caiu um temporal horroroso aqui, arrastou tudo, meu barraco caiu, foi levado pela enxurrada. Ainda bem que meu marido estava comigo, senão eu não teria conseguido salvar as crianças. Agora estamos debaixo de uma lona que o vizinho emprestou. Tomara que não chova tão cedo, senão nem sei o que vai ser de nós!

O marido saiu pra tentar algum bico, pra ver se ganha algum trocado. Levou a nenê com ele, eu não consigo mesmo tomar conta dela. Não sei se alguém vai levá-lo a sério com um bebê a tira-colo, mas ele não desiste. Logo que ela nasceu, apareceu aqui uma mulher querendo comprar a nossa filha. Eu até quis vender. É até pecado isso, mas eu quis mesmo. O marido não vendeu, de jeito nenhum. Ele disse que filho não se vende, que se morre de fome, mas não se vende nem se dá um filho. Eu concordo com ele, mas a tal da depressão às vezes fala mais alto que o senso de mãe!

E assim nós levamos a vida, sem saber se teremos onde dormir, nem o que comer no dia seguinte, as crianças pedem doce, bolo, coitadinhos, ficam só na vontade né! O máximo que comem é o pão seco que a padaria nos dá e o mingau de fubá, água e açúcar, quando tem. Filho não se vende, mas que ela seria bem mais feliz com a nova "dona", isso seria. E os irmãos teriam um lugar melhor pra morar, algo mais decente pra comer, enfim, uma vida melhor, mas isso é só um sonho bom, porque a realidade, essa é um eterno pesadelo...

Mi Guerra
Enviado por Mi Guerra em 03/06/2011
Reeditado em 03/06/2011
Código do texto: T3012313