PARANDO PARA ENTENDER, PAGANDO PARA VER...

Era num desses recentes finais de tarde de outono, hora em que a noite fria já ensaiava chegar, quando eu estacionei tranquilamente meu automóvel num estacionamento dum supermercado.

Ali ela de mim se aproximou.

Vinha com uma criança de colo, talvez com pouco mais de um ano de idade, ela, uma provável balzaquiana, de súbito, numa linguagem corporal meio teatral, extremamente desesperada, assim me suplicou: " ô moça, pelo Amor de Deus, estou com quatro filhos dentro dum barraco sem ter o que comer, procuro emprego, faço qualquer trabalho, qualquer um moça , mas está difícil, porque não tenho como deixar meus filhos para trabalhar, você poderia me ajudar de alguma forma?"

Bem, aqui por São Paulo sabemos que existe de tudo, violência disfarçada de toda forma, e ademais, não nasci ontem, e obviamente que , por um breve instante, senti que ali poderia existir certo risco, sei lá, uma outra intenção, como por exemplo, uma espécie de esmola disfarçada, ou um interesse de se arrecadar algo para outras finalidades que não comida. A criança poderia ser somente uma isca para o meu coração.

Confesso que por ter sido pega de surpresa, e ao ver aquela criança tão franzina que realmente aparentava fome, entrei na cena, mordi a isca e lhe respondi :" Você prefere que eu lhe compre alguma coisa, será que você teria como carregar?"

" A senhora é quem sabe moça, mas não tenho como carregar, não!".

Então, como eu não tinha dinheiro ali comigo, voltei ao automóvel, peguei algumas notas, juntei algumas moedas e lhe arranjei trinta reais. Quando lhe estendi o dinheiro apenas lhe falei contundentemente: "olha, só quero lhe pedir uma coisa, só uma, compre "mesmo" comida para vocês, ok?"

Claro que ela percebeu minha dúvida, porque imediatamente me respondeu:" moça, está certo, pode comprar o que a senhora quiser..."

Ali, percebi nitidamente que ela, por algum motivo não muito claro, recusava a minha desconfiança, porque na verdade, o que mais vemos por aí são pessoas virarem o rosto para tais necessidades , para essas frequentes cenas das ruas, claro, movidas pelo medo e pela impotência, afinal, somos seres com constante medo uns dos outros. E não apenas pessoas que temem os seres desconhecidos, o que é bem pior.

Assim, lhe respondi que eu acreditava nela sim e que ela mesma comprasse a comida que julgasse oportuna.

Ela se foi placidamente e eu entrei no recinto para as minhas compras.

Decerto que o que ela faria dali para frente não seria problema meu.

Ou seria?

Quando sai do supermercado, ela lá da calçada já se ia com sua sacolinha de compras que ela pode carregar e me gritou bem de longe:" ô moça, sou eu, acabei de falar com a senhora, obrigada!"

Hoje quando resolvi aqui relatar o que me ocorreu fui movida pelo seguintes questionamentos: quantas vezes, na vida, pagamos para ver?

E quantas vezes pagamos sem que o interlocutor sequer desconfie que bem lá no fundo sabemos que corremos um grande risco de sermos enganados? E quantas vezes não pagamos movidos pelo medo do engano?

Doutro lado, quantas vezes paramos para, de fato, entender? E se entendemos quantas vezes nos envolvemos? Envolvidos...quantos cenários mudamos?

Eu nunca saberei qual foi a verdadeira intenção que moveu aquela mulher até mim, mas decerto que sei que, naquele momento, eu saciei algo da sua fome. A mim, me bastou ter mordido a isca.