Adorável vagabundo
Seu Conga... Era assim que todos o chamavam e era assim que ele gostava de ser chamado.
Poucos sabiam seu nome ou sua historia, mas todos o conheciam e a maioria o amava.
Impossível não amar aquele adorável senhor de noventa anos que mais parecia um menino, menino não, moleque.
Giuseppe ( esse era seu nome) veio ainda jovem da Europa, fugindo da insanidade de mais uma guerra que reinava no velho continente.
Pouco tempo depois de estar no Brasil conheceu Valda, moça morena, magra e faceira, mineira brejeira dos cabelos negros e longos que deslizavam até suas largas ancas, foi amor à primeira vista, Giuseppe ficou sem respiração, bateu forte seu coração e não descansou até conseguir sua mão.
Depois de cinquenta anos de casados e terem criado filhos, netos e bisnetos, dona Valda resolveu ir para o céu.
Ela morreu como viveu, mineiramente, sem fazer alarde. Numa manhã seu Conga se levantou e notou que ela se fora como um anjo, dormindo.
Seu marido chorou sozinho, ninguém viu quando no ouvido de sua amada, fez sua ultima promessa de amor. Meu amigo prometeu que em breve se juntaria a sua mineirinha que tanto amava.
Depois que dona Valda morreu, ele mudou, creio que começou a se despedir da vida, virou um grande vagabundo, era o Carlitus do bairro, seu Conga foi o meu Carlitus. Passava os dias no meio da molecada jogando bola, soltando pipa e brincando de mãe da lata. Foi assim que conheci aquele homem que vivia sorrindo falava alto gesticulando com as mãos e não parava um segundo.
A noite ia para os botecos e cabarés, bebia e cantava a noite inteira, adorava viver entre prostitutas e boêmios.
Mas não durou muito a nova vida de seu Conga. E como ele mesmo previra, logo foi encontrar sua querida amada lá no céu.
Numa das tantas madrugadas em que voltava para casa depois de uma noite de bebedeira, escorregou e caiu dentro do banheiro, só no outro dia é que encontraram o corpo sem vida de meu velho amigo cachaceiro.
Seu Conga foi velado a moda antiga, na sala de sua casa. A noticia da morte de tão ilustre vagabundo se espalhou feito um rastilho de pólvora pelo bairro, enquanto a família de luto chorava por seu patriarca, a sala foi lotando de todo tipo de gente, todos queriam dar seu adeus ao nobre vagabundo.
As aventuras do morto eram contadas como feitos épicos, dignos de deuses da mitologia Grega, tudo isso regado com muita cachaça e gargalhadas.
Lá pelas tantas, quase com o dia amanhecendo, todos já bêbados, foi que alguém começou a cantar uma musica do Adoniram, foi o início de uma festa que seria lembrada e contada por muito tempo nos bares e nas casas de São Miguel Paulista.
O cortejo seguiu pelas ruas do bairro, seu Conga foi carregado no braço do povo, todos queriam pelo menos tocar em seu caixão. As garrafas de pinga e as velhas canções não paravam de rolar no meio da pequena, mas animada turba.
Enfim chegaram a ultima morada do morto, o buraco já estava pronto e de improviso seu Nicanor, poeta, boêmio e nas horas vagas professor ,discursou sobre a vida de tão ilustre filho adotivo do Brasil.
O caixão já estava lá em baixo, enquanto aqui em cima os vivos se empurravam para jogar o ultimo punhado de terra em cima do caixão do amigo querido.
Mas como o enterro não era de uma pessoa comum, não se podia esperar que acabasse calmamente, como deve ser um enterro decente.
Dito e feito, pois foi só o Zé Pinguinha colocar seus pés na beirada da cova para sua ultima homenagem que a marvada cana o traiu. Zé pisou em falso e no fundo do buraco ele caiu.
Pézão ainda tentou segurar, mas depois de tanta cachaça, seus reflexos não o ajudaram e lá se foi mais um amigo fazer companhia para o defunto. O Ditão que também estava bebão rolou junto para cima do caixão.Do outro lado, Abelardo que já estava bem mamado, achou que era mais uma homenagem e não pensou duas vezes. Depois de um ultimo trago pulou para junto de seus companheiros.
O concorrido buraco ficou lotado, só faltou uma mesinha para os amigos jogarem uma partida de carteado. Acho que o seu Conga lá de cima, ao lado de sua amada estava feliz de ver tanta amizade.
E foi assim que eu ainda garoto me despedi do meu velho amigo vagabundo.