Não diga não, seu Oscar
... Era homem humilde, professor, aposentado, de escola pública e sem queixumes. Os hábitos moderados lhe possibilitaram pisar sempre no terreno firme do equilíbrio. Pela manhã cuidava da casa e do almoço. Metódico. Nas terças-feiras comia Cenouras à Dumas. As cenouras fervidas no vinho transportavam-se olorosamente rua afora. Emilia passava sempre diante da casa, era apaixonada pelo Oscar. Flutuava no aroma das terças-feiras carregando uma paixão oculta, das mais estranhas; e que ele mesmo sequer podia adivinhar.
Quando lhe sobrava tempo gostava de ouvir o programa “não diga não” na Rádio Falinha, quando ainda não era na televisão via-satélite. Depois veio a televisão por todos os lados e a poltrona naquele horário apresentava a força de um poderoso ímã na vida de seu Oscar.
Por modesto de hábito e pecúnia, havia abandonado certos desejos. Durante anos vivera subjugado pela vontade da riqueza. Porém a sorte jamais lhe cedera sequer um só gesto de afeto. Após cada jogo desperdiçado lhe sobrava apenas os ossos de um vazio insubornável se agitando em seus contínuos exercícios de alcançar decididamente a riqueza. Até que um dia abandonou a sensação desse ato adorável, e nunca mais fora visto apostando em casa de jogos. Ele mesmo haveria de julgar inúteis todas as apostas que havia feito nesses setenta e cinco anos de idade. Tivesse guardado o dinheiro das apostas, estaria bem melhor de vida.
Um romance com tal Pimentel dos Arcos lhe valeria a mais adorável das surpresas: aquela que vem ilustrada. Através dela recebeu o convite dourado para participar do “Show Televisivo” Marlão Rodrigues no quadro “não diga não!”. O dia parou dentro de seu coração com a melhor memória disponível, além do melhor sonho empossado em sua vida. Foi em julho, mês de rigor, quando os pássaros congelam nos fios elétricos, e até a alma tem a transparência embassada. A própria cidade se convenceu da alegria na figura especial do convidado. Vazava nele um orgulho pincelado oriundo dos poucos inimigos. Todos dissidentes das velhas fanfarronadas. Seus desafetos em realidade estavam zarolhos de despeito. Oscar desfilava pela pacata atlântica avenida da cidade com alegria comparável a de um caniço dando uma paliçada num carvalho. Era um exemplar vaidoso de sapateiro que carregasse o cintilante rei na barriga.
Noite de sexta-feira. Lua cheia. Todas as televisões ligadas no satélite. Até o frio da invernia havia cedido lugar ao ar abafadiço daquelas curiosidades conectadas ao mesmo tempo. Oscar deveria resistir aos dez minutos mais tensos da sua vida sem dizer a palavra “não”, e apenas isso o transformaria de homem pobre em figurão rico da cidade. O locutor – É verdade que o senhor não usa camisinha? Seu Oscar – Sim. O Locutor – O senhor vai pagar imposto de renda duas vezes caso ganhe o prêmio? Seu Oscar – Sim. Pagarei imposto redobrado. É a melhor coisa do mundo. O Locutor – O senhor vai despido a missa de sétimo dia? Seu Oscar começou a suor frio. Estava sendo levado ao terreno crítico das suas profundas convicções. Era ele na terra e Deus no céu. Sentiu a vontade imensa de gritar “olhe aqui, desgraçado, não vou despido a missas de sétimo dia!” Se conteve ao máximo. O tempo escorria. Escachoava-lhe o suor salgado pela testa. A pergunta final foi colocada quase em sua boca pela rapidez da indução: Locutor: O senhor disse "sim" inconscientemente? O senhor Oscar respondeu “claro que sim!”. A platéia veio abaixo. Estava rico. O pesadelo havia acabado.