AS CEREJEIRAS EM FLOR
これはあなたのためのものです (kanji)
"kore wa anata no tame no mono desu" (romaji)
tradução:"estas são pra você".
AS CEREJEIRAS EM FLOR
Os primeiros japoneses que eu vi de perto tinham ido morar em umas terras que meu avô administrava para um parente rico.
Lá moravam já há um bom tempo, pessoas de origem humilde nos seus ranchos e que mais ocupavam do que trabalhavam. Penso mesmo que o meu avô fora deixando eles ali ficarem porque ele era o que se chama uma pessoa generosa e, apesar da origem alemã, mostrava na sua forma de viver e olhar o mundo uma postura que em nada lembrava a mentalidade dos seus vizinhos da cidade. Esses ocupantes das terras eram pessoas de origem mestiça, os chamdos caboclos, que não se adaptavam ao modo de vida da então pequena localidade onde nasci, cuja economia girava há tempo em torno da indústria de calçados. A mentalidade do branco colonizador, ali se configurava quase exclusivamente com a ação de descendentes de imigrantes alemães, e perpetuava os fenômenos de exclusão de pessoas descendentes dos primitivos habitantes da terra, os índios. Elas eram resultado da miscigenação com os brancos açorianos, que tinham começado a chegar ao estado, a partir do início do século dezoito, o primeiro e decisivo choque que tranformou rapidamente os índios em pessoas desaculturadas, sem referências e condenados ou a morrer, ou a se conformar em ser assimilados pelos que ora passaram a determinar formas de vida, impondo valores totalmente em descompasso com a mentalidade dos indígenas.
Não tenho dados sobre a imigração japonesa, mas sei que estes ali haviam se estabelecido no início dos anos sessenta.
E estar diante daquela casa para ver a novidade inusitada, foi um fato inesquecível, um acontecimento que me colocou pela primeira vez diante de uma geografia que se materializava como milagre nas pessoas daqueles agricultores. Guardo até hoje a imagem da casa limpa, uma mulher à porta muito séria, aquelas plantações tão arrumadinhas, o quase choque daquela visão de um outro mundo transplantado ali, uma obra de artista, algo como um desenho alienígena naquelas terras aonde eu apenas vira até então alguma plantação de milho, feijão, e o capim crescendo livremente sendo que os terreiros próximos às casas de madeira sem cor eram de uma nudez triste, aonde algumas galinhas apareciam ciscando e cachorros se deixavam ficar parecendo contaminados pela pasmaceira. Sei que meu avô adorava ir lá pra conversar, olhar alguma morena mais afoita e tomar chimarrão até cansar. Ele que nunca vivera no campo, comprou um cavalo, e acho que foi o tempo melhor da sua vida, quando se aposentou do seu trabalho de mais de trinta anos num curtume de couro. Um operário que buscava talvez uma sensação de liberdade que nunca vivera antes. Tempos em que no Rio Grande já florescia o movimento que buscava uma identidade para o povo gaúcho, com a criação dos CTGs, tendo o primeiro deles, o "35", surgido na capital do estado, no ano de 1948.
Lembrei disso hoje, ao receber de um amigo sensei, ou sansei, na verdade não lembro mais ao certo, uma frase na sua língua, como demonstração de amizade. E isso me remete a um esquecido tempo, quando talvez, por este encontro inusitado com um povo totalmente desconhecido, eu, usando a parede da nossa velha casa de arquitetura colonial chamada enchaimel (barrotes grossos de madeira na armação ligada por taquaras e preenchida com barro), sob os olhos incentivadores e admiravelmente compreensivos da minha mãe, pintei, com tinta guache, três mulheres japonesas, as maiores que consegui, com seus coloridos quimonos e então me senti a grande pintora do século. Uma mãe que era também um tanto diferente das mulheres daquela vila e que permitia algo que, sei agora, ela intuía e sentia como uma forma de dar a sua filha oportunidade de uma livre expressão de criatividade.
Canta na memória, a voz quase inaudível de um primo, com uma antiga música de saudade " e a cerejeira em flor, que tu gostavas de olhar..."
. ** Ao Fujiyama Shiroaoi, ou Fuji, excepcional cronista e ser humano, com o meu grande apreço.