PAIXÃO INFANTIL

Aos sete anos meu coração envolveu-se numa ardente paixão incontrolável pela garota de minha idade que tomava banho numa bacia sob uma algarobeira no quintal da casa dela. A mãe dela colocou bastante água no enorme recipiente redondo e banhou a princesinha sob meus olhos deslumbrados. Naquele precioso momento da minha meninice ingênua, um esbraseante sol por testemunha, apaixonei-me com o ímpeto de que somente um sonhador é capaz, inocente quanto as contrariedades advindas desse rompante causador tanto de tristeza quanto de euforia. E foi algo diferente, maravilhoso, estranhamente maravilhoso e complexo. Que seria aquele inesperado sentimento adentrando e dominando o meu ser e carregado de tamanha força descomunal e inquietadora? Eu me perguntava sem o saber pois na alma aquela doce alquimia me afogava num turbilhão de tantas perspectivas e tantos anseios, mas no íntimo eu não me importava com a possível resposta, que obviamente eu não conhecia. Apenas sentia. Aos olhos da criança esse desconcertante horizonte se descortinava exibindo a diversidade do que se mostrava novo e curioso, algo realmente difuso e ao mesmo tempo encantador. sem saber do que se tratava, eu gostava e não queria que acabasse nunca. O grande impasse era não saber como nem o que fazer daquela paixão inesperada se assenhorando de mim. Evidentemente eu não entendia o que estava acontecendo no tumulto dos meus sentimentos bombardeando-me a alma pequenina prestes a conhecer as consequências do desejar ser querido, do ansiar por ser amado nem que fosse através de um mero olhar sorridente ou de um simples gesto de ternura. Nem podia como certamente se é de imaginar. Impossível haver compreensão a respeito na mente do menino atarantado pelo nascimento, em si, dessa poderosa chama acesa pelo destino. Decerto por não compreender, provavelmente, me sentisse tomado pela ansiedade, arrebatado pelo poder intenso do gostar de alguém pela primeira vez.

Guardei somente para mim esse instante inebriador, fantasiando com meus botões a ternura e a grandiosidade da descoberta graciosa que me tornava mais que um menino. E passei a sonhar esperando dela, todos os dias, um súbito olhar revelador que demonstrasse reciprocidade e correspondência aos meus anseios. Durante o elegante ritual do banho, pude notar alvoroçado, ela me dedicou não mais que um rápido soslaio de indiferença, e o sol zombou de minha embriaguês enamorada enquanto o farfalhar das folhas da algorobeira denunciava sua percepção a respeito de minha primeira, digamos apenas para contemporizar, decepção amorosa, embora não fosse, óbvio. Pelo menos aos meus olhos infantis e despreocupados. Assim refletindo, portanto, nada disso desencorajou-me. E tenho a devida explicação lógica e cartesiana para tanto. Imaginem só, ali estava ela toda vulnerável tomando seu banho matinal na bacia sob o olhar embasbacado de um pretendente nas nuvens, um namorado em potencial. Puxa, não era para menos que fugisse de encarar-me, que se sentisse incomodada. Daí, meu coração dizia, sem dúvida o constrangimento a deixava confusa, e tanto quanto ocorria comigo, nela com certeza os batimentos cardíacos se faziam acelerados porque algo incomum brotava e deixava rastos inconfundíveis. Eu, menino puro, alimentando algo desconhecido, mas latente, por uma menina ainda mais pura.

No entanto, para meu pasmo, foi o meu irmão quem lhe conquistou as graças e as atenções tempos depois. Eu pensava ser bem melhor que ele em todos os aspectos, inclusive mais atraente por ter um sorriso sedutor, se bem completamente alheio ao significado da palavra que tudo tinha de bonita mas nada de reveladora à minha fugaz ciência das coisas. Foi minha primeira e ingênua decepção amorosa, fato que me mostrou quão tortuosos podem ser os caminhos do amor.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 01/06/2011
Reeditado em 15/11/2012
Código do texto: T3007557
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.