Diálogo no ônibus

Em uma ensolarada e fria manhã de segunda-feira, corro para pegar o ônibus. Apesar da segunda-feira não ser o meu dia da semana preferido, estou muito feliz. Minha vida de sardinha enlatada está com os dias contados. No mês que vem estarei de carro e isso me deixa satisfeita. Sinto-me superior e penso: “agora é por pouco tempo, agüenta firme”.

Para começar bem minha semana, consigo um lugar para sentar. Acomodo-me em frente à um casal jovem que começa a discutir. Não posso deixar de prestar a atenção no diálogo:

Ela diz:

- Porque que eu vou morar com você? Eu não preciso de você pra nada!

O que me chamou a atenção é que ela falava isso sorrindo, como se estivesse brincando. Logo eu percebi que era um riso de nervoso ou até mesmo de raiva.

O rapaz, muito calmo, falou:

- Não esqueça que você precisa me pagar o notebook.

- Como assim? Você não me deu??

- Eu disse que você me pagaria aos poucos, quando pudesse.

Ela ria. Com certeza era de raiva, que estava se transformando em um pouco de ódio. Comecei a sentir pena dele.

Os olhos dela cuspiam fogo:

- Não, você não me disse isso.

Ele continuou calmo, tranqüilo e respondeu:

- Nós conversamos que seria assim no início. Até as coisas se ajeitarem iríamos dividir as despesas.

Ela ficou irritada, mas continuou sorrindo. Imaginei se por acaso ela estaria na TPM. Comecei a ficar com medo dela.

- Você não sabe aproveitar as oportunidades. Joga a sua vida no lixo e quer me carregar com você? Conversamos sobre isso há 3 meses, mas você sempre arruma mais contas para não me deixar ir embora!

Ele não respondeu. Paramos em uma estação e ele levantou para descer. Olhou para ela e disse tchau. Ela respondeu com irritação, sem olhá-lo.

Enquanto o ônibus esperava o sinal abrir para partir, ela sentou perto da janela e ficou olhando ele se afastar. Ele seguiu caminhando desajeitado pela rua, com seu moletom meio surrado e mochila nas costas. Ele não olhou para trás.

Dentro do ônibus, ela seguia seus movimentos com os olhos. Acho que conheço bem esse olhar dela. Já tive esse olhar uma vez. È uma mistura de raiva, indignação, preocupação e acima de tudo amor. É como se você quisesse gritar com os olhos.

É um olhar que só quem ama além dos limites consegue entender.

Sabrina Massucheto
Enviado por Sabrina Massucheto em 01/06/2011
Reeditado em 01/06/2011
Código do texto: T3007473
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