Três minutos

 

                               Vez por outra a gente medita sobre o nosso tempo. Inevitáveis algumas conclusões, mesmo que provisórias, como queria o grande Descartes, aquele mesmo do “penso, logo existo”. Gênio é gênio. O nosso querido Descartes, ao descobrir suas verdades, afirmava sempre: são verdades provisórias. Vou logo avisando aos meus leitores, vou me adiantar. Entrei nesse papo filosófico, mas com uma ideia escondida no bolso do meu colete. Na verdade, quero falar do tempo que falta para   clarear um novo dia, uma nova era. Vou dizer logo: faltam três minutos! A escuridão é completa, no momento, mas quanto maior a escuridão, como diria o poeta, mas perto estamos da claridade.

                               O leitor mais apressadinho deve estar dizendo: “fala logo, fala logo”. Mas aí é que está o bom dessa minha história. Relendo, ontem, o nosso Nelson Rodrigues, em crônica muita antiga, pincei uma pérola dele sobre o tempo. Deixo para o fim essa pérola, para o deleite do amigo leitor. Vamos exercitar a paciência.

                               Voltemos ao que eu estava dizendo: era sobre o Descartes (não se pronuncia o s, gente!). O Descartes viveu na mesma época que Pascal, outro grande filósofo e  matemático. Ficou conhecido pela  célebre frase: “O coração tem razões que a própria razão desconhece”.

                               Adolescente, ainda, a frase do Pascal me ganhou e passei a me encantar mais pelo Pascal. Vejam que época: dois gênios em uma mesma geração!

                                Toda essa volta labiríntica, caro leitor, para dizer uma verdade simples: sem conhecer o passado, não podemos avançar. A frase talvez não seja bem essa, mas dá a noção exata do que quero passar para os amigos. Aliás, a ciência moderna descobriu o óbvio e sabe da necessidade de preservar e guardar toda a documentação das descobertas científicas. Assim, o novato cientista vai ter que  tomar conhecimento do caminho percorrido pelos “velhos” cientistas. E daí continua.  O que foi conquistado não pode ser perdido de maneira nenhuma.

                               Como alguém já disse: os novos podem enxergar mais longe, desde que se agarrem nos ombros dos velhotes.

                               Pronto. Dei o recado.  O nosso tempo está medíocre porque os jovens de hoje, na sua grande maioria, desconhecem o passado. Não sabem das dificuldades para se avançar um milímetro em busca de um mundo melhor.

                               Sem referencial, acabamos por estacionar  na era do “bundalelê”. Não vejo melhor nome para marcar nosso período.  O tempo, no entanto,  está se esgotando, faltam apenas três minutos. Embora haja minuto  que leve um século para expirar.

                               Todos já sentiram aquela sensação horrorosa do tempo que não passa. O insone, rolando na cama a noite inteira, olha desesperado para o relógio e o ponteiro nem se mexe. A aurora não chega nunca.

                               Com o pretexto de falar de futebol, o nosso Nelson escreveu umas linhas magistrais sobre esse tempo parado. Certo dia ele descreveu  o final do jogo entre o seu  Fluminense e o Botafogo. O fluminense seria o campeão com o empate. Estava perdendo de 1x0, mas conseguiu empatar e faltavam três minutos para o fim da partida, somente. Passo  a  palavra para o mestre: - “Em três minutos, tudo pode acontecer. A minha sensação era a de que os três minutos restantes arrastavam-se como que puxados por uma parelha de lesmas. Desatinado, tirei o meu relógio. As horas passavam, mas os três minutos, não. Oito horas, nove, dez, meia-noite. Uma da madrugada, duas, três, e os três minutos parados. Os galos já cantavam e não soava o apito final. A madrugada raiava sanguínea e fresca e faltavam três minutos. O penúltimo minuto durou três horas. Finalmente, ficou faltando um único e escasso minuto. Sessenta segundos passam rápido. Não aqueles. Só ao meio-dia terminou a batalha. Posso dizer, como tricolor nato e hereditário: - foram os três minutos mais longos de toda a história.”  

                               Nesta altura da crônica, o leitor deve estar rindo e  pensará, certamente, mas o cronista está brincando com coisa séria. E ainda deve estar refletindo: nesta era da mediocridade e faltando três minutos que não passam, necessitamos de uma reação enfezada, dar um “carão” nesta sociedade. Não penso assim, com todo o respeito ao leitor. A blague, a brincadeira, mostrando o ridículo da coisa, tem um poder fenomenal de mudança. Erasmo de Roterdan, com seu livro “Elogio da Loucura”, brincando, mudou a sociedade de sua época.

                               Interessante, soube outro dia que Pascal e Descartes se encontraram,  tiveram um grande diálogo e falaram muito sobre o tempo. Ao final da conversa, Pascal disse que não compreendia mais a linguagem dos números,  queria uma descoberta maior que a matemática, tendo Descartes observado que Pascal sofria com isso.Descartes, ao contrário,    preferia encontrar a linguagem dos números, alegremente. Ou pelo menos tentar.

                               Assim como o tempo do Nelson  acabou passando, o nosso também passará.

                               Por ora, já avançamos ao  vislumbrarmos  novos tempos! E neste radioso dia que virá, a linguagem  do universo será, finalmente, descoberta.