NILO, O CÃOZINHO QUE NOS ADOTOU

(fato verídico)

Mamãe concordou em tomar conta do Nilo até a Lola (apelido de Leonor) se casar, portanto, a chegada daquele cãozinho preto com manchas brancas pelo corpo, inicialmente parecia que não iria mexer com a rotina da casa. Ele não era nosso, seria só um hóspede e como tal simplesmente passaria um tempo em nossa companhia. Tempo suficiente para acontecer o enlace da Lola e sua acomodação na cidade vizinha.

Ledo engano! Esse cãozinho, tal qual uma bolinha parecia rolar e deslizar pela casa e aos poucos foi fazendo amizade com todos e conquistando seu lugar na família composta por papai, mamãe, eu e mais cinco irmãos.

Começou recebendo-nos à porta quando voltávamos para casa. Papai chegava do trabalho e Nilo o esperava balançando o rabinho acompanhando-o até a soleira da porta. Sim, não ultrapassava a porta porque mamãe não permitia sua entrada porta adentro e ele obedecia, meio a contragosto, mas obedecia. Com meus irmãos não era diferente, Nilo os recebia com festa e era impossível não notá-lo sem se envolver.

Quando eu, a caçula de casa, brincava pelos arredores da casa, Nilo era meu companheirão, parecia minha sombra. Precisava tomar cuidado para não pisoteá-lo, pois me acompanhava em todos os lugares, todo feliz abanando seu rabinho.

Em tão pouco tempo nos demos conta de que o amávamos muito. Torcíamos para que Lola desistisse de levá-lo embora e mamãe sempre nos lembrava que Nilo tinha sua dona e a qualquer momento ela viria buscá-lo. Não poderíamos fazer nada para impedir, pois esse fora o trato entre ela e Lola.

Ficávamos tristes com a idéia da separação e nestes momentos ele parecia adivinhar o que se passava, pois se aproximava mais, ora de um, ora de outro e nos olhava querendo dizer, eu também gostaria muito de ficar.

Lola se casou e fora morar na cidade vizinha. Sinceramente? Não ficamos felizes com o casamento dela, porque o que para ela significava felicidade e alegria, para nós tinha o sabor de perda. Mais dia, menos dia iríamos perder a nossa bola fofinha, de pelos negros e brilhantes e peito todo branquinho.

Bem antes do que esperávamos Lola chegou para tomar posse de seu cãozinho. Estava feliz com o casamento e com o fato de poder levar Nilo para sua casa.

Foi muito triste. Não fizemos questão alguma de despedidas e às escondidas, choramos muito. Mamãe que insistia em nos dizer que sabíamos desde o começo que Nilo não era nosso, também chorava, não como nós crianças, chorava de uma forma silenciosa, mas seus olhos não conseguiam disfarçar.

Queríamos esquecer este dia e também do Nilo, pois assim sofreríamos menos. Tentávamos de todas as maneiras nos distrair com outras atividades, mas a cada momento alguém suspirava e mostrava lágrimas nos olhos. Bastava isso para desencadear uma grande choradeira em silêncio, quando a nossa vontade era gritar e colocar pra fora toda nossa tristeza.

A noite chegou e visivelmente amuados fomos dormir. Mamãe recomendou (apesar do sofrimento que também sabíamos que sentia), que não queria nos ver acordados e choramingando durante a noite. Ela estava enganada. O que mais queríamos era dormir para poder sonhar com nosso querido cachorrinho Nilo.

Certa hora da madrugada, papai e mamãe se levantaram, pois ouviram ruídos estranhos. Acordamos e fomos todos juntos para a sala que era de onde vinha o tal barulho. Pareciam arranhar a porta e isso nos deixou preocupados. Papai que sempre foi muito corajoso abriu um pouco sua janela e não acreditando no que via, nos deixou tão surpresos quanto ele. Era o Nilo que havia voltado sozinho e queria nos avisar que estava ali tão saudoso quanto todos nós. Abrimos a porta e Nilo não sabia a quem oferecia seu carinho. Ficou atordoado, pois ia de um lado para o outro sem parar e em cada um pulava ao mesmo tempo que abanava seu rabinho. Acreditem ou não, víamos alegria em sua carinha. E não é que choramos novamente? Mas desta vez foi de alegria.

Depois de muita festa fomos dormir pela segunda vez na mesma noite, só que desta vez, ao contrário da outra, queríamos dormir logo não para sonhar, mas para chegar logo o dia seguinte e ter o dia todo para curtir, brincar e continuar festejando a volta, daquele cãozinho que havia conquistado todos nós.

Logo no início da manhã do dia seguinte, mamãe nos comunicou uma triste notícia. Ela iria procurar Lola, a verdadeira dona do Nilo, para lhe comunicar o ocorrido, tentar entender o que havia acontecido e devolvê-lo. Novamente a tristeza se fez presente entre nós e inconformados fazíamos um esforço danado para entender essa atitude de mamãe. Para nós, Nilo havia voltado porque tinha nos adotado por sua família, era em nossa casa que ele queria e deveria ficar.

Mamãe encontrou Lola desesperada a procura do cãozinho nos arredores de sua casa e qual não foi sua surpresa quando soube que Nilo havia fugido de Americana que ficava a uns seis quilômetros de Nova Odessa, onde morávamos e chegou em nossa casa. Como teria conseguido tal façanha?

Nem precisaria contar que para nossa felicidade Lola desistiu dele. Ela entendeu que ele só conseguiu tal façanha porque assim como nós o amávamos, sem dúvida alguma ele também nos amava e provou isso. Finalmente Nilo era nosso e ficaria pra sempre em nossa casa.

Apesar de não ser um cão de raça aprendeu muitas coisas com a gente e nos fez feliz até o dia em que, depois de muitos anos, sua vivacidade e alegria trocaram de lugar com um olhar apagado e triste quando lentamente foi nos dizendo adeus.