A VELHA CASA DA MARANHÃO
QUARTA-FEIRA
... E por toda parte
A tristeza branca
Das casas pobres.
Pablo Neruda, in O Rio Invisível
Brinquedos, amigos, recantos de nossos folguedos, guardo de todos eles boas recordações; por alguns, até fartas recordações materiais. Porém, discreta frustração incomoda-me por não ter fotografado e guardado essa lembrança material da morada berço da infância onde cresci.
Uma velha casa de quatro cômodos caiados de branco, nenhum, imune das manchas negras do querosene queimado nas arcaicas lamparinas. Dois quartos ladeavam a sala da única entrada, ficando a cozinha ao fundo, continuidade da pequena sala, sem demais espaço ou privacidade. Cômodos muito singelos, paredes toscas de adobes revestidas com grosseiro reboco; cobertura estruturada em madeira roliça adiantadamente carunchada, vinha entrecortada por ripas desgastadas a exemplo das telhas francesas a cobri-lo; diariamente, o chão amanhecia forrado com generosas camadas de pó extraídas do madeirame. Nesse piso, batido e desigual, onde o toco da vassourinha o agredia com mais vigor, deixava a terra solta elevando volutas de poeira que, ao contato dos feixes do sol adentrando pelas frestas, desnudavam miríades de partículas de pó em suspensão bailando num reduzido cosmos doméstico. Era a única coisa bela ali. Num canto, o vetusto fogão à lenha; junto à chaminé, sinuosa fenda na parede deixava à mostra os grandes adobes e boa parte do mundo exterior.
Finalmente, as rusticidades das três janelas de madeira se juntavam às duas portas de tábuas, todas tarameladas, constituindo os seus únicos vãos de comunicação externa.
A desapropriação viera sem apelação, rápida; com ela, foram-se a casinha e a Maranhão poeirenta dos meus pés descalços, dos meus risos e lágrimas, mas, felizmente, ficaram os meus sonhos de menino nelas. Estes, eu os fotografei e ainda os conservo carinhosamente na memória, inclusive a casinha branca!
QUARTA-FEIRA
... E por toda parte
A tristeza branca
Das casas pobres.
Pablo Neruda, in O Rio Invisível
Brinquedos, amigos, recantos de nossos folguedos, guardo de todos eles boas recordações; por alguns, até fartas recordações materiais. Porém, discreta frustração incomoda-me por não ter fotografado e guardado essa lembrança material da morada berço da infância onde cresci.
Uma velha casa de quatro cômodos caiados de branco, nenhum, imune das manchas negras do querosene queimado nas arcaicas lamparinas. Dois quartos ladeavam a sala da única entrada, ficando a cozinha ao fundo, continuidade da pequena sala, sem demais espaço ou privacidade. Cômodos muito singelos, paredes toscas de adobes revestidas com grosseiro reboco; cobertura estruturada em madeira roliça adiantadamente carunchada, vinha entrecortada por ripas desgastadas a exemplo das telhas francesas a cobri-lo; diariamente, o chão amanhecia forrado com generosas camadas de pó extraídas do madeirame. Nesse piso, batido e desigual, onde o toco da vassourinha o agredia com mais vigor, deixava a terra solta elevando volutas de poeira que, ao contato dos feixes do sol adentrando pelas frestas, desnudavam miríades de partículas de pó em suspensão bailando num reduzido cosmos doméstico. Era a única coisa bela ali. Num canto, o vetusto fogão à lenha; junto à chaminé, sinuosa fenda na parede deixava à mostra os grandes adobes e boa parte do mundo exterior.
Finalmente, as rusticidades das três janelas de madeira se juntavam às duas portas de tábuas, todas tarameladas, constituindo os seus únicos vãos de comunicação externa.
A desapropriação viera sem apelação, rápida; com ela, foram-se a casinha e a Maranhão poeirenta dos meus pés descalços, dos meus risos e lágrimas, mas, felizmente, ficaram os meus sonhos de menino nelas. Estes, eu os fotografei e ainda os conservo carinhosamente na memória, inclusive a casinha branca!