COLEGAS DE VIAGEM
As mais de três mil pessoas, confinadas no espaço restrito de um navio, usando os mesmos equipamentos de lazer e restaurantes... é impossível que não se formem amizades, ainda que efêmeras.
Pessoas de culturas e origens diversas, com ou sem formação acadêmica, interagem espontaneamente, acima de tudo, por sermos animais sociais, gregários e mutuamente carentes de atenção e respeito.
A barreira natural da diversidade linguística não foi bastante para impedir a comunicação. Assim, tive o privilégio de “conversar” com meus colegas de viagem.
Duas irmãs austríacas - de nomes impronunciáveis para quem fala português – foram, por várias manhãs, nossas companheiras de desjejum. Falávamos sobre a possibilidade de chuva, por conta das nuvens que se formavam no horizonte plúmbeo;
Com Jean e Marie – franceses em segunda lua de mel, depois de quarenta anos de casados - conversávamos sobre os queijos que eles produziam e sobre os vinhos que eu deveria experimentar, quando chegasse a Paris;
O Dr. Jorge e a esposa (paulistanos) foram companheiros assíduos nas apresentações do grupo “Los Paraguayos”, conjunto dos três jovens Hector e Sebastian que tocam violão e Daniel, que toca harpa.
Durante as apresentações, eram raras as vezes em que não havia a participação de Candido - jornalista paraguaio – que, juntando-se ao grupo, cantava as canções tradicionais como Mercedita, Malaguenha, Guatanamera, Índia, O Relógio e tantas outras, acompanhadas também, pelas belas vozes de duas irmãs argentinas, cujos nomes nunca decorei.
Muitas vezes o espetáculo contagiava a plateia que ocupava os três andares (piso, dois mezaninos e as escadas) do espaço “La Cascata Bar” e, em uníssono, cantava com os artistas, como se fosse composta por profissionais. A variação de localização das pessoas nos diferentes pisos, e os diferentes timbres das vozes masculinas e femininas, repetiam a sensação quadrifônica “descoberta” por Giuseppe Verdi, na ária Miserere – ópera Il Trovattore - que transformavam o espetáculo em algo mágico, incapaz de ser descrito.
Outros momentos inesquecíveis foram as conversas que tivemos com Kay e Cláudia – cantores líricos alemães em férias – com quem brindávamos todas as noites, com champanhe ou cerveja, o simples fato de estarmos vivos e podermos nos divertir com a dificuldade de comunicação imposta pela língua; mas, para tudo há um caminho mais fácil, basta procurar.
Cláudia, além do alemão fala francês, assim como Nancy, a paranaense (minha mais nova colega de infância) então, tudo o que dizíamos era, simultaneamente, traduzido (português, francês, alemão, francês, português...), tudo muito divertido.
Em diversas ocasiões, no saguão da Recepção do Navio, ficamos Nancy e eu, conversando até a madrugada, sobre os mais variados assuntos dos nossos estados natais e dos costumes dos nossos conterrâneos, tipos populares, poetas, escritores, artistas.
Nancy detém um admirável acervo cultural porque, além da educação esmerada que recebeu, fez mestrado em Paris, e foi professora da cadeira História do Livro, do curso de Bacharelado em Biblioteconomia, em Curitiba. Essas conversas foram, para mim, um excelente aprendizado.
Sem a barreira da língua, fizemos amizade com as gaúchas Marly, Marlene, Cely; o português/brasileiro Joaquim (jornalista), os paranaenses José Antônio, Sara, Ana Tereza, Mauro, Elvira, os pernambucanos Tadeu, Flora, Geise, Ceçinha, as baianas Hilda e Madrinha, esta, obviamente, deve ter um nome próprio, mas por causa da afilhada Hilda, todos nós a chamávamos de madrinha, e ela atendia com o sorriso meigo das pessoas naturalmente felizes. Luciano (produtor artístico) é outro baiano que irradia a alegria de viver.
Os funcionários do navio, Helena, Hachmad, Diaz, Maria Dolores, Silvia, Pollyana (professora de italiano) e Claudinha – cearense que, em muitas ocasiões, servia de intérprete quando a comunicação emperrava –, estiveram sempre disponíveis e, quando os afazeres o permitia, participavam das nossas conversas.
Além das apresentações no teatro, tínhamos a oportunidade de assistir ao conjunto “Classic Trio”, no qual três moças executavam música erudita ao violino, piano e violoncelo, e que, vez por outra, se revelavam intérpretes virtuosas.
Foram tantas emoções, tantos momentos bons que é impossível citar os nomes de todos os colegas, principalmente, porque fica difícil para o cérebro, lembrar-se do que guardamos no coração.