QUE MERDA!

Vocês não sabem como é divertido o absoluto ceticismo.

Pode-se brincar com a hipocrisia alheia

como quem brinca com a roleta russa

com a certeza de que a arma está descarregada.

Millôr Fernandes

Andei sabendo por aí nos bastidores da grafinalha de Natal, que uma madame metida a bacana vai descontar mil reais em suaves parcelas do salário mínimo – 545 “conto” – da sua empregada doméstica, porque sem querer , a coitada, ao passar o vestido de luxo,com o qual a madame iria a um jantar repleto de políticos, empresários e celebridades locais, esqueceu o ferro quente sobre o vestido causando um rombo naquela patética indumentária. O pior é que no fim, com certeza, mais cedo ou mais tarde, a vestimenta iria parar num brechó vagabundo e ficar lá esquecido “pegando” mofo e sendo tachado de “ mulher, olha só aquele vestido que coisa mais brega”. É osso! Paciência...

É incrível como tem gente que porque tem uma casinha boa – casinha mesmo, não é nem mansão - ou um Ap. num condomínio sei lá – APzinho mesmo -, um carro pra andar, roupa sempre limpa no armário... gente que nunca pegou um ônibus ou metrô lotado, faltou gás em casa na hora do almoço ou energia na hora de dormir, pensam que a realidade a qual vivem é a realidade do mundo, e por isso, acham que podem olhar de cima ou humilhar as pessoas de classe social inferior.

Pô, o cara acorda, toma banho, pega a camiseta, veste e se manda pra rua; depois ele chega em casa, tira a camiseta, joga-a no sexto da roupa suja, e num passe de mágica ela volta pro seu guarda-roupas bem cheirosa e bem engomada; daí novamente ele a veste, ignorando todo o ciclo social que existe por trás de um tanque de roupas sujas. Me diz aí: quem fabricou a camiseta? Quem vendeu a camiseta? Quanto ela custou? Quantos ônibus um vendedor pega pra chegar até o shopping e se abaixar aos pés de um granfino para lhe fazer provar sapatos italianos? Quem fabrica a tua calça jeans? Quem fabricou o sabão que lava a camiseta? E a tinta da camisa, quem produziu? E quanto você paga a sua lavadeira para lavar sua roupa? O dinheiro que ela recebe daria pra ela comprar uma igualzinha e da mesma marca?

Enquanto isso, nas esquinas dos grandes centros o coreano salva muita gente pobre e também metida à besta, negociando assim:

- Coreano, quanto é essa camisa aqui?

- Tlinta e cinco... tlinta e cinco.

- Faz por vinte e cinco?

- Tlinta... tlinta.

- Beleza, fechado.

E o cara sai com uma imitação da grife tentando impressionar os bacanas do Shopping Center.

Mesmo por ser um cara que sempre fui da classe média, e ter sempre tido o que comer, o que vestir, andar em cantos bons, frequentar ambientes mais requintados por ter um emprego estável ou pelas amizades que fiz lá pelo colégio, faculdade, trabalho ou em eventos sociais, eu agradeço também por sempre ter contato com pessoas no presídio, metrô lotado, favelas, manicômios, asilos, creches... nunca só comprar a pipoca, o sorvete, o pão, o pastel ou a cocada, mas fazer questão de conversar com o pipoqueiro, o sorveteiro, o padeiro, o pasteleiro e a velhinha da cocada... sempre fazer questão de conversar com renomados políticos, juristas, empresários, sacristãos, assim como escritores forasteiros, bêbados, ciganos, drogados, o jornaleiro, o pescador... É por fazer sempre questão de conhecer os dois lados da moeda, que aprendi a medir o valor das coisas. É assim que torno a minha existência e a minha formação humanística sempre mais além dos prazeres do meu corpo e da futilidade dos bens aleatórios.

Quer ver o que é a realidade da existência humana, tente lavar suas cuecas ou calcinhas no meio da semana. Sempre vale a pena lembrar: as pessoas as quais você não dá à mínima, e que muitas vezes são humilhadas a troco de nada, por quem quer descarregar o stress quando percebem a própria insignificância perante o mundo e os reais valores, desejando fazer com que as pessoas pensem que são insignificantes só porque não usam perfume francês, podem estar por aí num tanque qualquer lavando nossas roupas de baixo sujas de bosta e mijo. Mais respeito, por favor!

Ô Dondoca... boçal de meia tigela... saiba de uma coisa: a nossa realidade está muito além do teu nariz empinado! Não vá pensando que a vida é a vida que você leva, pois não é! A vida é muito mais viva dentro da perspectiva humana de que uma porrada de gente vive se fodendo ou sendo fodida, ressalte: sem querer, para que seu fulano possa viver, manter a pose, o luxo e a arrogância... Meu chapa, um prato de feijão com arroz e ovo frito tem muito mais nobreza que um anel de brilhantes. Bom, depende de como cada um enxerga as coisas, né? É... beleza! O problema é que, se por acaso eu cegar... pra mim, o anel perderá o encanto. Porém, se eu quiser ficar vivo até que a morte chegue por acaso sem que eu a espere ansiosamente, todo dia eu terei que comer muito feijão com arroz.

Camarada, a vida não é tal qual aquele manequim que olhaste na vitrine e pagaste uma cara naquela muda de roupas, mas sim o momento em que você chegou em casa, se arrumou todo, se olhou no espelho e disse: que merda! Que roupa ridícula!