Rei Roberto

Seu nome era Roberto Carlos Filho. Solteiro. O pai havia lhe dado o nome pela idolatria ao cantor Roberto Carlos. Roberto Carlos Filho, aliás, filho único, cresceu com o básico. Não era rei. Não podia casar porque não possuía sapato para usar na festa. Conformava-se declarando: o “modelo social está em obras”. Por esta razão trabalhava durante a noite do Rio de Janeiro como estrela em seu próprio espetáculo:

Show Roberto por Roberto.

Mais como formiga do que cigarra.

Ter muitas mulheres era a única saída para o cantor Roberto Carlos Filho, visto que dormia a cada dia na casa de uma delas. Dormia durante o dia e no sofá. E porque gozasse de certo encanto com o violão, ganhava a vida tocando músicas do Rei Roberto. Era piadista, bem humorado. O ruim da “bagana” brincava, é que ela não pode ser fumada de novo! Era a frase lapidar dele que todos conheciam e lhe davam abraços. Ele não fumava, nem bebia, tocava apenas e no Leclerc. O dono, português, não aceitava aquela falação durante as apresentações. Dizia-lhe:

- Toca! Toca e pronto.

Desta vez teve que engolir porque era carnaval, havia Escolas de Samba passando. Estava falante o cantor Roberto Carlos Filho. O dono do Leclerc Clube, mais cronológico do que psicológico, queria que ele tocasse. Mesmo com a barafunda alegre das marchinhas trilhando a noite.

- Naquele dia a patroa brigou com ele, por isso Roberto Carlos fez aquela canção. Uma canção de amor...

Todas as mulheres (maioria no Leclerc) ouviam extasiadas. Decerto as brincadeiras verbais haviam começado.

Hebe freqüentadora assídua era uma verdadeira cronista no bate-papo.

- Sou alcoólatra porque gosto de beber. Roberto Carlos não precisaria tomar uma “tulipa refrescante” para fazer uma canção de amor. Uma canção linda. Uma linda canção de amor. Tudo pela vida do amor e uma canção do Roberto. Emborcou o chope rusticamente retornando a pose solene de viúva. Viúva de ex-religioso em pleno carnaval. Livre.

Lá fora o povo e a charanga explodiam! Dentro do bar gritavam:

- Toca! Toca uma canção de Roberto Carlos!

Ele respondia.

- Vou tocar uma canção que eu fiz.

Cantava uma canção dele mesmo, do Roberto Carlos Filho.Gritavam:

- Queremos uma do rei! Do rei.

Julgava que era ele. Vestia a coroa daquele momento com um sorriso franco, fraternal. Estavam lhe chamando de Rei, era ele mesmo. Ele que nem era filho do Roberto. O carnaval realizava a farsa com a gritaria consentida, os abraços suados e as máscaras esquipáticas. Um cenário sem a presença de vozes chamando pelo silêncio nas altas horas da noite. Até as doenças pareciam felizes.

Otoole sentada com as pernas abertas na janela do Leclerc estava abraçada numa garrafa de uísque e olhava com menosprezo o cantor, dizendo-lhe:

- Os dias de férias deixaram o Roberto Carlos Filho abatido.

A multidão apinhava-se entre as mesas. O dono, alegre, esfregava as mãos.

- Lembra aquela canção do Rei Roberto?

Lembrar lembrava, mas não cantava sequer um pedacinho. Todas as coisas burlescas haviam brotado na atmosfera febril. Mulheres desfilavam a vontade pelo mundo durante os dias da folia. Bêbados lutavam filosoficamente para abolir a quarta feira das cinzas. (Justiça fosse feita) Roberto Carlos Filho sem perder a animação foi parar na mesa dos clientes, metendo-se entre gente fantasiada que lhe abordava perguntando sem parar:

- Você não lembrou sequer uma música de Roberto Carlos?

Otoole gargalhava: Não lembrou! Não lembrou!

Roberto Carlos Filho sentia que havia algo estranho nele mesmo. Estava se sentindo “ele próprio” no dia em que todos costumavam ser diferentes. Tércio Ricardo Kneip