CONTEXTOS

“Eu sou eu e minha circunstância.” (Ortega Y Gasset)

Eu costumo fazer comentários em textos de outros autores sempre relacionando o texto com um trecho de um poema, de uma letra de música ou qualquer outro excerto que achar que tenha relação com o que li. Acho que isso faz parte do meu pensamento, que funciona por associação. É dialética do pensamento, que de puro não tem absolutamente nada. Relaciono tudo o que estiver ao alcance ou busco alcançar o que estiver longe.

Fora de contexto as coisas precisam ser interpretadas de acordo com o falante escritor ou o ouvinte leitor. Por exemplo, uma frase que caiu no descrédito com a modernidade individualista foi a de Exupery, (aquele do Pequeno Príncipe) “tu te torna responsável por tudo aquilo que cativas.” É um excerto que, bem contextualizado, pega muito bem numa relação de companheirismo e camaradagem, de reciprocidade e amor mútuo. O contexto pleno, para não desagradar a esta modernidade egoísta seria “Eu não preciso de você nem você precisa de mim, mas se cativarmos um ao outro nos tornaremos responsáveis por manter essa chama sempre acesa entre nós.” Isso não há modernidade que destrua se as pessoas não quiserem prescindir das outras. Aqui não há relação de um se sobrepondo ao outro ou deixando-lhe a obrigação de sozinho garantir que o outro seja feliz.

Dito isso, parto para os assemelhados fora de contexto da vida. Outro dia falei do estro criativo do escritor. O texto que eu lia negava a necessidade da inspiração pra a criação literária (não a produção de textos). Fui gentilmente defenestrado da caixinha de diálogo de meu interlocutor. Usei um excerto de uma bela canção do João Nogueira - O Poder da Criação - com o seguinte trecho:

“força nenhuma no mundo interfere sobre o poder da criação,

não precisa ficar nem feliz nem aflito,

nem se refugiar no lugar mais bonito,

em busca da inspiração.

Ela é uma luz que chega de repente,

com a rapidez de uma estrela cadente

e acende a mente e o coração.”

A interpretação do texto literário se dá de forma diferente do texto científico. O primeiro tem uma liberdade que não carece de comprovação de verdades nem de afirmação de mentiras, pois trata-se de manifestação de desejos ou sentimentos e isso é íntimo, pessoal, subjetivo, para ser bastante redundante.

A afirmação de Gasset lá no início, tem um importante complemento, raramente citado. A citação completa é: “Eu sou eu e minha circunstância. Se não salvo a ela, não salvo a mim”. E como assegurar essa “salvação”? Mudando a realidade, em vez de se submeter, passivamente, a ela. Quem não tem capacidade, vontade e determinação para fazer essa mudança, paga, via de regra, um preço altíssimo, em termos de frustrações, decepções de toda a sorte, mágoas, tristezas e fracassos. Ou seja, se afundará na circunstância e não dará sentido algum à sua vida. Eis um contexto em que vivo atormentado.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 28/05/2011
Código do texto: T2998427
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