Mais uma vítima do trânsito.
Num dia como outro qualquer, numa normalidade rotineira, vai o pai de família seguir sua rotina paulistana. Acorda cedo como sempre. Abre a porta da geladeira e pega a marmita preparada com todo amor por sua esposa e coloca na sua mochila velha. Pega sua jaqueta de couro falso, ajeita aquele trapo nas costas e põe o capacete na cabeça. Sobe na moto, liga. Sente o motor. Começa a sentir a adrenalina. Vai, então, o motoqueiro, o motoboy, o pára-choque vivo, o alvo de todas as críticas em meio ao caos do tráfego à sua viajem de destino e volta incertos. Desafia os perigos da motocicleta enquanto sente o vento forte agredindo seu corpo fraco. Certamente, ele é um fraco. Talvez, só um ponto surbmerso na metrópole desgovernada que também desgoverna.
Talvez seja essa a (única) solução: subir numa moto, desafiar os carros e os ônibus robustos, desafiar a própria vida, torcer para que tudo dê certo, ganhar sua mixaria que mal paga as contas, dar um beijo em sua família no final do dia e preparar-se para o seguinte. É isso o que ele faz. Sai pelas ruas, atravessa as travessas, passa por diversos lugares, dos mais ricos aos mais pobres, por ruas conhecidas e desconhecidas, por viadutos, pontes e avenidas. Pega a Radial Leste, conhecida na cidade de São Paulo. O fluxo fluindo, os carros se movimentando e o corredor - que mais poderia se chamar "Corredor da Morte" - aberto.
Agora, veja como a vida é breve: O fluxo instável segue fluindo a milhão, as buzinas chorando para se fazerem ouvir e, então, sorrateiramente àquele que andava distraído, a fluidez cessa, o motoqueiro freia e, com o óleo acumulado na pista, sua moto desliza e, com a velocidade do veículo, acontece o que não se pode evitar e, com a violência do impacto sobre a traseira do Volkswagen, a platéia reprimida pela Radial assiste a um espetáculo que não é inédito: Um corpo que voa como um pássaro e se choca contra o chão. No segundo ato, o SAMU se mobiliza e, atrasado, nada pode fazer para reanimar este corpo já sem vida. É tudo muito rápido. É tudo muito breve. É tudo inconstante. Só há uma constância na cidade, no país e no mundo em que vivemos: Este homem é só mais um que não mais verá o Sol nascer. É só mais um pai de família que morre e abandona sua família. Só mais um motoboy sem nome que perde a vida na cidade de São Paulo. É só mais uma simples e boba notícia que ilustra o cotidiano paulistano e é repassada pelos programáticos e animalescos noticiários de televisão