Recordações:  do  Tolipan  ao cafuné

 

 

                      Depois que comecei  aqui no Recanto das Letras, por puro prazer, a tentar escrever crônicas, peguei o vício de ficar atento a qualquer acontecimento diário para me dar motivo para mais uma crônica. No fundo, um efeito colateral gostoso é que acabamos por bater um papo indireto com outros amigos,  que também escrevem. Postado o texto, surgem os comentários inteligentes e começamos a enxergar nuances e ângulos do que escrevemos e que, absolutamente, nem desconfiávamos.

                      Pois bem: acabo de ler uma cronista que relata suas andanças pelas ruas do Rio, na esperança de pegar um táxi. Muitos carros de praça passam livres,  mas não param para a nossa cronista. Conclusão: a escritora acaba chegando ao seu destino a pé e fica feliz por ter feito um bom exercício, apesar de, como ela mesma diz,  ter  corrido  um certo perigo de ser assaltada.

                     Aí chego ao ponto que queria compartilhar com  o meu leitor. Deu-me saudade do meu tempo de Rio de Janeiro. E me veio logo a lembrança dos meus tempos de jovem, iniciando na minha profissão, com pouco ou nenhum dinheiro. Houve um tempo que acabei por optar por andar mesmo  a pé de casa para o trabalho e do trabalho para casa. Pois foi nesse tempo que conheci, não me lembro em que circunstância, o Tolipan.

                    O Tolipan era um homem dos seus cinquenta anos, extremamente  gordo. Muito rico,  dono de muitas  joalherias no Rio, e em razão de sua gordura só andava de táxi. Morava no mesmo bairro que eu, nas Laranjeiras. Por essa coincidência notável vivia me encontrando com o Tolipan, que, aliás, diga-se de passagem, era um homem boníssimo, bonachão, generoso, com uma conversa saudável e muito agradável.   O leitor já deve estar adivinhando. Isso mesmo: foi o tempo em que mais andei de táxi. Uma maravilha! O único inconveniente é que o nosso Tolipan levava séculos para conseguir entrar no táxi, mas a espera valia a pena.   

                    Morando agora no interior do Estado do Rio, bem escondido da grande metrópole, sinto não poder dividir com meus amigos uma crônica mais atualizada, descrevendo, por exemplo, minha andanças  de ônibus pela cidade maravilhosa, ou mesmo de metrô, que vi nascer nesta minha época com o Tolipan, sem um tostão no bolso.

                Mas como eu ia dizendo,  qual o meu recurso para prosseguir neste nosso papinho?       As velhas recordações, que teimam em pulular na minha cabeça. Vejam só do que me recordo neste instante. - Qual  a recordação agora, meu bom ancião ? -  diria um leitor zombeteiro. 

                Pois é, amigos, às vezes um detalhe define uma época. Eu sou da época do cafuné! Com certeza, os mais jovens talvez nunca tenham ouvido falar nesta    palavra.

              Somente num período  da  história onde ainda prevaleciam  as boas intenções, o bom senso, as amizades desinteressadas é que alguém poderia fazer uma música exaltando o bom cafuné.

             A lembrança é essa:  parece que estou vendo na minha frente o meu amigo Miguel José, baiano, com seu violão, dedilhando a sua música:

           -  Amar é bom/ Eu acho que é/ Beijar é bom/ Eu acho que é/ Dançar é bom/ Eu acho que é/ Brincar é bom/ Eu acho que é// Mas o melhor de tudo isso/  É o tal (o taaaallllll) do cafuné/  Não é?  

             A exaltação do cafuné e a presença viva de um  bom sujeito como o Tolipan  são sintomas e detalhes  que definem   a época de ouro  da  cidade maravilhosa!

            Hoje, pobres de nós, com a violência em todos os lugares, se alguém tiver a audácia de falar em cafuné sofrerá um apedrejamento bíblico em  plena  praça pública.