A MORTE VAI TER QUE ESPERAR
O mendigo atravessava a rua. Andava com dificuldade. Um automóvel vinha a toda velocidade. Para o individuo em questão, seria impossível evitar o acidente e o mesmo poder-se-ia dizer do motorista, cujo carro não teria tempo e espaço suficiente para desviar-se do pedestre.
Quase que por um milagre, um dos passageiros de um veículo que trafegava em direção contrária, esticou-se projetando parte do corpo para fora do veículo e esticando os braços, com precisão, deu um empurrão no mendigo, que saiu tropeçando até cair do outro lado da rua. Foi o tempo necessário para evitar o acidente que seria fatídico.
O autor de tal façanha sorriu satisfeito ao perceber que seu grotesco gesto havia salvado uma vida.
Inerte deitado sobre a calçada, em frente a um suntuoso estabelecimento comercial, estava o quase presunto. Abobalhado, envergonhado, puto da vida, ao mesmo tempo grato.
Ao abrir a loja, o proprietário viu em frente ao seu estabelecimento o maltrapilho estirado. Percebeu que os clientes evitavam entrar no seu comércio. Enfurecido com as possíveis perdas no lucro, ele ordenou que levantassem o sujeito e sumissem com ele dos arredores, levando-o para o mais longe possível. Os funcionários assim o fizeram.
Ainda busco entender o episódio. Quem empurrou o mendigo, fazendo-o tropeçar e cair quis apenas salvar-lhe a vida, não tinha a intenção de vê-lo estirado no chão. Porém, quem o levantou do chão não se importava com o que lhe acontecesse, desde que fosse longe do seu estabelecimento comercial.
Saulo Campos
Itabira MG