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NOITE SINISTRA


 
Noite de tempestade. No céu arroxeado, bailavam grossas nuvens, relâmpagos, trovões. A lua há muito se escondera. As corujas piavam na chaminé. Portas e janelas fremiam com a ventania. O vento frio, a esgueirar-se pelas frestas, gelava minhas mãos inquietas e minha alma. Noite sinistra, eu murmurava. A aflição tomara conta de mim. E eu pressentia,  temia... Intimamente, eu sabia. Noite sinistra, baixinho,  repetia.
 
Foi então que, numa ínfima fração de segundos, um desvairado corisco rasgando e iluminando o céu, atingiu-o certeira e profundamente. E, em meio à intempérie tenebrosa, ouvi o estalido  pungente. O último e breve suspiro, talvez... Tudo ficou negro, perdi o chão, a memória, a energia. E ele partiu, talvez para nunca mais voltar...
 
Lá fora, o vento implacável continuava  a sibilar, aterrorizando-me e testemunhando o meu desespero, meu medo e minha dor. Dor  intensa, cruel, dilacerante... A dor da perda repentina, depois de uma longa e inesquecível convivência. Vivemos sempre um para o outro, fiéis e em grande cumplicidade.  Naturalmente, como ocorre com todos, às vezes, discordávamos. Ele sempre ligado,  rápido, preciso, calado; eu, um tanto desligada, lerda, atrapalhada, falante...  Eu ansiosa, ávida; ele, paciente, tolerante e, dono de uma memória invejável, muito me ensinou.  
Consolou-me saber que compartilhamos todas as horas possíveis. Trabalhamos, brincamos, rimos. Juntos, escrevemos doces e tímidos versos de amor, rememoramos lembranças,  choramos saudades e perdas. E, nessa perfeita interação, caminhávamos pela vida, minimizando a agrura do cotidiano.
E, de repente, o raio fulminante. E ele partiu, entre lágrimas e chuvas torrenciais...
 
Ah, quanta saudade e que noite fria!  Noite de insônia e de sentimentos contraditórios. Ora, compaixão; ora raiva, rancor.
-Ah, que pena... Ah, não, ele não podia ter feito isto comigo...
E veio a culpa, assaz companheira dos incautos.
- Ah, não... Ele  merecia mais atenção, mais proteção. 
E quantas incertezas...
- E agora? Ele volta? Não volta? E se não voltar? Quantas interrogações e quantas perdas. O que fazer com o vazio desta ausência?
- Backup! Pelo menos, backup, antes da tempestade.
E, inconsolável, eu repetia: Por que, meu Deus, por que  não fiz nada? Bastava um  simples gesto, bastava desligá-lo da tomada.
 
 
 
 
Tânia Alvariz
Enviado por Tânia Alvariz em 26/05/2011
Reeditado em 26/05/2011
Código do texto: T2994478
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