NOSSOS FILHOS... NOSSAS VIDAS!

O crepúsculo trazia um alaranjado suprimindo os verdes das serras dos pampas, mas não chegava a suprimir o cartão natural, que a cada instante, tornava-se mais e mais belo. Era o retrato e a alma das paisagens gaúchas que, com o cair da noite, o calor daria espaço ao frio, daria espaço à temperatura que descreve a realidade de um povo que foi privilegiado por Deus para compor aquele cenário divino. E violando as montanhas, o Rio Uruguai, onde seu leito, que em certos trechos não passa de um regato, em muitos, mostra a sua força e grandeza pela largura entre as margens dos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Zingrando contra a correnteza do rio, uma balsa, que faria a sua última viagem daquele dia nas barrentas águas, onde as corredeiras, frutos da gravidade e geografia, buscavam o longínquo mar. A embarcação só reiniciaria a sua derrota no dia seguinte.

Aqueles vaivens poderiam passar desapercebidos por adultos que nas margens do rio estivessem; dos adultos que sempre estão concentrados com os seus problemas pessoais. Adultos que trazem na face a incerteza, o medo de entregar-se ao próximo, e com o medo e insegurança que deixam transparecer, ficam presas nos seus fantasmas, suas vidas por metades ou reduzidas ao nada. Mas o ritual daquela balsa, jamais passaria desapercebido, por alguém que tem o mundo encantado, onde a felicidade está estampada na sua face. Alguém, onde a inocência faz com que a sua vida seja um mundo mágico e não tem ambição de nada, só percebe o valor da infância anos depois, quando não mais pode usufruir dessa inocência...

E foi justamente na inocência, que um par de olhos, no rosto de uma criancinha, na pequena cidade, Marcelino Ramos, mirava o rio quase a transbordar e a levar consigo as folhas secas de árvores pela correnteza das águas.

Aquela criança ainda tinha suas palavras trôpegas, descompassadas e quase incertas. Para muitos, as frases não seriam interpretadas, nem mesmo levadas a sério. Mas, para a sua mãe, o brilho daqueles pequenos olhos falavam muito. A felicidade que transparecia no rostinho da criança era de curiosidade e alegria.

Com a chegada do verão, mesmo a balsa fazendo seu percurso, havia obstáculos; as águas começavam a baixar e a embarcação não mais navegava com facilidade. A criança, percebendo as dificuldades de locomoção, começou a ficar triste e a pedir à mãe para atravessar o rio.

– Minha filha, eu não vou atravessar este perigoso rio!

E a tristeza no rosto infantil continuou. Vendo que não tinha jeito de fazer a filha sentir-se alegre, resolveu superar o medo que havia no seu interior, resolveu vencer a fobia de água e, mesmo sem saber nadar, embarcou na balsa.

Venceu o medo não só para matar o desejo da filha, mas também, para descobrir o que aquela criança desejava fazer na outra margem do rio. Depois de alguns minutos, estavam, mãe e filha na margem oposta, no outro Estado.

Chegando na outra margem, a mãe imaginou que a pequena desejasse passear no pequeno vilarejo. Mas o que ela esperava não aconteceu... Não decepção, e sim, surpresa para a mulher; pois, assim que desembarcaram, a felicidade do rostinho infantil mais uma vez transpareceu. Não houve palavras. A criança com um pouco mais de um ano, simplesmente suspendeu o vestido godê e abaixou-se na margem do rio.

Depois de urinar, sorriu e falou:

– Pronto, mamãe. Já podemos voltar, o rio vai ficar cheio novamente!

Só então a mãe, que não sabia qual o objetivo daquela garota, descobriu o porquê: era, simplesmente, a idéia de uma criança que imaginava, na sua inocência, que o quente líquido que saíra do seu frágil e delicado corpo, iria acrescentar no volume de água do grandioso Rio Uruguai e fazer com que a balsa tivesse mais facilidade no seu navegar.

E aquela criança, hoje uma linda e inteligente mulher, ao lembrar-se daquela peripécia INFANTIL, SORRI... SORRI E SENTE-SE UMA MULHER REALIZADA E FELIZ!

Este trabalho está registrado na Biblioteca Nacional-RJ

carlos Carregoza
Enviado por carlos Carregoza em 23/11/2006
Código do texto: T299037