Passado Glorioso

 

 

                          Meus amigos leitores, o que eu ia  dizer mesmo nesta crônica? Ia falar do passado. Desculpe.   Não seria  bem isso.   Ah, sim, lembrei.

                        Quem   estiver me lendo agora, já deve estar  falando com seus botões : “Quem  é esse  cara? Como tem   a coragem de perguntar o que ele vai escrever!”

                        Pois é, lembrei-me.  Queria falar sobre as excelências de antigamente. E comecei desse jeito bem informal, de propósito. Isso tudo pra fazer o leitor mais moço entender o que ele perdeu com a modernidade “burra”. A turma de então, em  todas as áreas, tinha o que dizer. Dava o seu recado com graça, com sabedoria e num bom português. E por serem grandes, davam-se ao luxo de começar uma crônica dessa maneira que o leitor acabou de ver aí em cima.   Esse era o  charme  do Nelson, gênio,  que adorava esse estilo de boteco!

                     Claro, não é um discurso contra o moderno. O moderno inteligente tem que ter o nosso aplauso. E também não vamos aplaudir o passado ruim. Estamos falando do que é bom em todos os tempos.

                   Vim correndo rabiscar essas linhas porque acabei de me extasiar com um cara antigo, quase um matusalém, que foi cantor na velha Lapa do Rio. E aí ele vai lembrando os cantores da época: Orlando Silva, Carlos Galhardo, Francisco Alves, Wilson Batista, Nelson Gonçalves,  Dolores Duran. O homem  cantou duas músicas que me fizeram literalmente cair da cadeira. A primeira música foi  “Boneca de Pano” e a outra “Castigo”.  Só pra dar água na boca do pessoal, aí vai o início de Castigo:  “A gente briga/Diz tanta coisa que não quer dizer/Briga pensando que não vai sofrer/Que não faz mal se tudo terminar// Um belo dia/ A gente entende que ficou sozinho/Vem a vontade de  chorar baixinho/ Vem o desejo triste de voltar.”

                   O velho cantor afirmou que até hoje não apareceu voz mais bonita que a do Orlando Silva.  Não estou falando de saudosismo, Deus me livre. Estou acompanhando o ritmo moderno, a informática, o computador. Tudo isso é bom. Mas e  as pessoas de hoje com reais méritos? Com as raras exceções de praxe, está difícil de achá-las.

                 Passo para o futebol, que também já não é mais o mesmo,  e vou lembrar, só de picardia, do grande Julinho. Hoje de manhã, tomando cafezinho no Bar do Roney, perguntei à turma do futebol que frequenta o bar: “Então, vocês já ouviram falar no ponta-direita Julinho, que jogou na época do Garrincha?” Ninguém sabia quem era o Julinho. Nem de ouvir falar.

                Posso afirmar para quem não o conheceu que era tão crack quanto o mitológico Garrincha. Teve a infelicidade de jogar na mesma geração do Garrincha. O Mané, como também era chamado,  foi o “Carlitos” do futebol, encantava as multidões pelo inesperado de suas jogadas circenses. Já o Julinho, igualmente  crack , apenas não tinha o lado divertido do Mané. A sua atuação, embora  maravilhosa, não tinha esse lado jocoso do jogador da cidade de  Pau Grande. Mal comparando, o Julinho seria um Machado de Assis do futebol. Jogou na Itália e quando voltou ao Brasil foi logo para a seleção brasileira. O nosso Nelson Rodrigues fez justiça ao Julinho, quando lembrou dele na partida Brasil 2 x 0 Inglaterra, jogo no Maracanã, no dia 13 maio de 1959. Feola, o técnico, colocou o Julinho no lugar do Garrincha. E o homem acabou com o jogo, fez os dois gols da partida. A multidão que vaiara o Julinho, por estar no lugar do Mané Garrincha, acabou por aplaudi-lo delirantemente e ali  naquele jogo esse grande jogador teve a sua consagração.

                  Até hoje me recordo de uma partida entre a Portuguesa de São Paulo e o Flamengo, no ano de 1955, se não me engano. O Julinho era o ponta-direita da Portuguesa. Estava eu no Maraca, com meus 13 anos, assistindo ao jogo. O Flamengo fez rapidamente dois a zero. No segundo-tempo, o Julinho “comeu a bola” e com suas infiltrações fulminantes, driblando com elegância os adversários,  fez dois gols em poucos minutos e   o jogo terminou empatado em dois a dois. Na cadeira cativa chorei de soluçar. Um misto de sofrimento pelo Flamengo e alegria de ver jogadas tão belas!

                Nesta época, é preciso que os mais moços saibam disso, havia brilhantismo nas pessoas. Os comentaristas de futebol não ficavam atrás. Sem querer esnobar, vejam os nomes: João Saldanha, Armando Nogueira, Ruy Porto, Luiz Mendes, José Maria  Scassa e o próprio Nelson Rodrigues, este aproveitando o futebol para nos presentear com literatura inesquecível.

             Paro por aqui e pergunto.  Nos dias de hoje, quem me faria chorar?
             É possível, é possível, diria algum gozador: "mas só de tristeza".