Troco Pra Vida
R = RaFromHell
S = Sheep
*
Ela vem, com um copo de Java Chip na mão. Óculos de aro grosso. Uma roupa que minha acuidade e ignorância nos ditames das vestimentas femininas que acompanham a moda não conseguem nomear; o que eu quero dizer é que a porra deve ter um nome específico e eu não sei. A gente pára de conversar. É natural. Natural, quando uma fêmea interessante surge. Acompanhamos a donzela com o olhar analítico. Trocamos um olhar.
R: Eu hein!
S: Esquisitinha...
R: Esquisitinha!? Feia pra caralho mesmo... Ah, se foder!
S: HAHAHAHA mas você tá que tá hoje, hein?
*
Eu não vi, mas ele viu. Parou no farol à nossa frente.
S: O 300c do irmão?
R: Não tenho um e nem posso ter.
S: Mas tá aqui, parado no farol! O motorista do irmão que trouxe!
R: O único 300c que eu posso ter deve estar parado em algum farol em Marte.
S: HAHAHAHAHA
R: E do jeito que a coisa anda, ele morreu e deve ser o Capitão Gancho que tá empurrando ele até aqui chora/
*
Sentados na calçada do boteco. Bebendo cerveja e comendo uma porçãozinha de pão com azeite e orégano. As pessoas - mulheres nossas amigas, para ser mais exato - têm aquela mania de tentar dar conforto ao nosso ego - ou sei lá, tentar carcomer um pouquinho o nosso ceticismo - falando que não somos tão feios assim e que dramatizamos demais quando exaltamos nosso premente, pungente e constante fracasso na arte da paquera.
S: Eu falei pra ela: "Você sabe o que é cromaqui?", aí ela respondeu: "Sim, sei".
R: Ai, caralho...
S: Aí continuei: "Então, agora imagina uma pessoa que é coberta dos pés à cabeça de cromaqui, quando o assunto é mulher... Imaginou? Sou eu!"
R: HAHAHAHA que desgraça!
S: É SÉRIO MANO! Porra... E ainda fala que eu faço drama! Minha vida é drama agora
R: HAHAHAH a NOSSA, né? E deve ser o Paulo Coelho escrevendo essa porra, porque olha...
S: HAHAHAHAHA
Viramos o copo.
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Tudo tinha dado errado. Sempre dá. Mas até pra nós a forma como havia dado era diferente. A derrota foi plena. Não era tão tarde, mas já tínhamos decidido ir embora. Atravessamos a Paulista olhando o ônibus parado no ponto. Gente entrando. Aceleramos o passo. Assim que a última pessoa embarcou, demos sinal - antes de o motorista fechar a porta. Ele balançou o indicador pra lá e pra cá e seguiu o fluxo.
R: Que filho da puta!
S: Diabo!
R: Ó, tá vindo outro ali atrás!
Havia dois ônibus da frente do nosso. O motorista do nosso, apressado, entrou na faixa da esquerda e passou direto, sem parar no ponto.
R: Hoje tá complicada essa vida.
S: Já falei hoje que eu odeio minha vida?
O outro veio depois de vinte minutos. Conseguimos embarcar. Ficamos na frente. Havia lá uma garota cheia do charme. Dado momento, ela simplesmente desceu pela porta da frente. Nos entreolhamos sem entender.
S: O irmão também vai descer pela frente, sem pagar, é isso que eu tô entendendo?
R: Se nem ENTRAR pela frente, disposto a pagar e tudo o mais, eu pude, como poderei fazer isso?
S: Tsc.
chora/
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Oito e quarenta e cinco da manhã. Eu trabalho na Bela Vista. Ele, na Lapa. O celular anuncia o recebimento de um Sms.
"Ah, mas que isso! O irmão com a garota, de bermuda, com as pernas cheias de tatuagem, passeando em plena manhã de quarta-feira. O irmão aguarde que estou indo cumprimentá-los."
Eu leio. E respondo.
"O irmão vai pagar mico, já que estou sozinho e derrotado no ponto da Sé, esperando pelo meu terceiro de sabe-se-lá quantos ônibus de hoje..."
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Algo me chamou a atenção. Mandei o torpedo:
"Tem algo errado aqui no trampo: estava organizando as contas da sócia e tinha uma fatura com compras na Madison Avenue, hospedagem de cinco dias no Hilton... Juro que vi o nome do irmão como dono do cartão!"
Cinco minutos depois vem a resposta:
"Não posso ter cartão com o nome no Serasa e não posso pagar nem um período no Hilton..."
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Estava na plataforma do Metrô. 08h13m. Meia hora parado, esperando um em que eu pudesse entrar. Mandei o torpedo:
"Imagino que o irmão esteja curtindo a sexta-feira 13 debaixo das cobertas, assistindo um filme do Hitchcock, com a garota ao lado..."
Resposta:
"Não, estou dentro do terceiro ônibus que eu pego pra chegar na Lapa, preso no trânsito e querendo morrer... Ah, e sozinho!"
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Enviei o torpedinho perguntando como estava o dia do meu querido comparsa. Eis a resposta:
"Bom, já desejei um AVC, um balde de cicuta e um mergulho num dedal, de cima da Torre do Banespa... Isso tudo antes das 10:30."
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Enviei:
"Final do expediente chegando! Imagino que o irmão esteja ansioso pra pegar o carro e dar uma passada no Pub, acompanhado de uma linda Pin-up... Certo?"
Respostou:
"Errado! Estou me corroendo de ansiedade pra ser atropelado por um rolo compressor, isso sim... E não posso nem sonhar com uma pin-up..."
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Continua. Infelizmente...