PARA AÍ MOTORISTA

Existe cidade de todo tipo. Conheço uma comprida e estreita como um riacho. Suas principais ruas são como nossas veias que vão da cabeça aos pés. Um par de linhas de trem, como espinha dorsal, divide-a em duas partes: norte e sul. Ambas são servidas por duas linhas de ônibus circular, apesar do trajeto deles não ser circular. Andam num vai e vem quase reto, feito boi no arado. Os próximos parágrafos te levarão a um breve passeio por uma dessas linhas.

A linha do lado sul dá duas alegrias aos usuários a cada vai e vem. A primeira é quando o passageiro sobe no ônibus, já que a espera no ponto acabou. A segunda é quando desce. Os que ocupam os lugares próximos à saída do veículo são testemunhas disso. Assim que a teimosa porta abre, não é raro ouvir de quem está saindo:

- Descer é melhor que subir!

Ritmado por solavancos, o veículo segue seu trajeto. A cada parada, os sons e ruídos do ônibus para sair parecem cantar:

- Daqui não saio, daqui ninguem me tira.

A emoção não acaba por ai. Ela domina geral quando em notas altas, ouve-se em côro os passageiros clamando:

- Para aí motorista!

Pode ser um vovô, ou alguma mãe com crianças fora do ritmo do condutor, tentando descer ou subir.

Justiça seja feita. Nem sempre o motorista perde o ritmo por causa de quem paga para andar. Não é qualquer um que aguenta como ele tantas horas sentado. Ainda mais sobre um banco apoiado por um pedaço de madeira, que sabe-se lá, até quando o manterá sentado acima do chão. Há de se tirar o chapéu também para o cobrador, que anda ausente nos últimos dias. Sua falta permite ver melhor onde ele acenta-se, o que faz pensar que conforto é palavra estranha naquele lugar.

Cada percurso tem seu tempero de gente e de situações. As conversas são soltas, tanto com quem está ao lado, como pelo onipresente celular. Ora são divertidas ou fugazes, e por vezes, dramáticas. De um modo ou de outro, salvam do tédio qualquer um. É gente que trabalha, estuda, sonha, paga conta e impostos. Quem sabe, com boa vontade de quem manda, essa gente ganha transporte de gente. Mas decreto nenhum pode fazer valer mais o que dá graça em cada viagem: a vida que corre em cada um que vai e vem pelas veias dessa cidade.