QUE VENHA O DIA!

Madrugada de sábado para domingo. O céu dorme. A cidade calada. Estrelas escondidas no manto da noite. O mar se junta com o infinito; parece que trama algo. A maré deve estar seca; não escuto barulho. Criança chora. Ouço seus lamentos de longe. Quem chora é por algo que incomoda.

A natureza é quase sempre previsível. Quando criança morava distante do mar. Lá em casa tinha um búzio grande. Ficava horas escutando o barulho do mar ao pressioná-lo ao ouvido. Parecia forte o seu som. Será que era lamento? Ou era a linguagem para demonstrar sua força? Desde aquela época tinha o maior respeito pelo mar. Assustava-me e atraía-me, como outras coisas na vida. Um dia, minha tia Júlia chegou dizendo que guardar búzio dava azar. Pobre dele, foi jogado fora! Prometi que juntaria muitos e juntei mesmo!

Ontem à tarde o mar me pareceu raivoso. Despejam tantas coisas que ofendem seu cheiro e sua cor. Fica indefeso, porém mais dia, menos dia, ele avança, embora depois se arrepende e recue, mas deixa marcas de seus estragos. Observei suas ondas furiosas batendo na praia, machucando a areia. Não passam doze horas e vem, sorrateiramente, beijar, puxar, esfregar, atraindo para si a areia molhada que acabou de ferir. Acha pouco e dá de presente algas marinhas. Às vezes presenteia a praia com lindas conchinhas e, raramente, com búzios. Alegra crianças e adultos. As pessoas esquecem que existiam vidas nas conchinhas e nos búzios,também. Porém se eles enfeitam e alegram, está tudo bem! Presente é dado para gerar contentamento.

Madrugada tarda. O sol está na hora de aparecer. O que viu que quer ficar escondido? Precisa ver? A natureza por vezes surpreende. Há muita chuva, mas ele está dando o ar de sua graça, como dizem. Fico querendo que o sol acorde o dia. Desculpe a noite, mas prefiro o brilho do sol. Às vezes ele brilha tanto que incomoda. Beleza demais não cansa, mas pode incomodar. Já as estrelas, que enfeitam a noite, mostram suavidade em seus brilhos. São discretas. Prefiro mesmo a emoção de coisas fortes. No meu direito de escolha, posso até optar erroneamente pelo que mais me toca e me atrai. Posso me arrepender, mas é melhor arriscar e ter o que contar. Não rejeito a noite, mas a questão não é gostar ou não, já que sempre vem. Se não há o que fazer, paciência! É melhor aceitar numa boa as coisas que não possuem saída. Nem pensar em brigar com a noite. Será que o dia briga? Desconfio!

Já esperei por algum tempo que venha o dia. Quando isto acontece, embora a gente se sinta cansada, é melhor fazer o tempo passar fazendo outras coisas.

De mansinho, vejo as pazes do dia com a noite. Até que enfim! A noite cede e vai partindo mansamente. Há quem parta assim, suavemente. Partidas bruscas são mais dolorosas, mas partir sempre é ruim. Deixa vazios. Quem parte talvez leve saudades. Pode deixar, também! Saudade é vontade de repetir o que foi bom. Ainda bem que a luz do dia está chegando. Preciso clarear a minha vida e cada nascer do dia será sempre promessa de algo novo. Fecho os olhos, talvez de cansaço pela noite mal dormida ou saudade que, às vezes, dói. Um rio brotou. Sonhei ou criei?

Edméa
Enviado por Edméa em 21/05/2011
Reeditado em 23/05/2011
Código do texto: T2984359