Amar, verbo tangente
Cheguei a íntima e desapercebida conclusão – não querer ver o evidente é um saco – de que realmente desisti do amor. Não, eu não passei por decepções amorosas tão desgastantes para a alma que a secou e pulverizou a parte de mim que espera alguém chegar, me olhar e me fazer amá-lo, pois naquele instante me amou. Essa parte de mim grita, direciona minha vida por meios de hábitos estranhos e que me cobrem o dia me fazendo pensar no quando e onde vou achar meu par.
Acho que foi mais uma sucessão de fatos em que o “agir sozinho” em situações que seria mais prático e fácil passar com alguém foi lapidando em mim um orgulho próprio que custa a ser conquistado. Ora! Passei o inferno, que não creio existir, fiz conquistas, modelei todo um ser fantástico, belo e dono de si apenas com um pedaço quebrado de espelho para me lembrar que nas noites mais escuras eu ainda tinha a mim. Custa acreditar que existe ou virá a existir uma pessoa que mereça esta medalha em sua companhia.
Também creio que escolhas no decorrer de um caminho, jornada, peregrinação sucumbem a um fato maior que com o tempo, apenas com o tempo, sacerdotes dedicados como eu juntam as evidencias e aceitam a realidade. Ter um ofício, seja ele qual for, resulta em abrir mão de alguma coisa, algum ramo da vida. Ou isso, ou quase todos os sacerdotes que conheço – inclusive o próprio que escreve – estão fazendo alguma coisa errada. E não só eles, aqueles empresários dedicados, aqueles homens e mulheres que se entregam de cabeça à sua profissão, abrem mão da essencial vida pessoal.
Conheci uma vez a história de um médico tão fissurado no que ele considerava sua missão no mundo que ele abriu mão da esposa, filhos, e por vezes, amigos. Salvar vidas era seu modo de viver, era sua realidade e sina. Alguém pode dizer que ele está errado? Tudo bem, eu sou fiel ao pensamento de que tudo em demasia uma hora vai lhe prejudicar. Todavia, nós, seres humanos, nascemos com uma questão em mente: qual o motivo de viver? E será que encontrar a resposta não vai afogar outras aspirações de nossa vã existência? Por isso às vezes é melhor viver na dúvida, do que agarrar uma certeza.
Ter a dúvida é como pescar por diversão. Você passa horas esperando que o peixe morda sua isca. Quando ele finalmente o faz, você o vislumbra, até o toca, mas o deixa voltar para o seu habitat sem apreciá-lo com o instinto predador como fazem os outros tipos de pescadores, que saciam sua fome com o primeiro peixe que lhes surge. O peixe é a resposta. E é mais divertido buscá-la e deixá-la fugir, mudar e se apresentar das mais variadas formas uma, duas e mil vezes do que a cada vez a que a encontrar a devorar, devorar e devorar. No fim não haverão mais peixes, e as certezas que você precisava tendo se esgotado, o que você fará então?
Falamos em entrar numa coisa de cabeça, falamos em não exagerar nas ações, falamos que a espera é a melhor solução para os problemas. No fim, essas são frases postuladas e de conhecimento geral que até servem num momento altruísta. Contudo, essas sabedorias acabam por se contradizer uma a uma. E surgem mais dúvidas do que é certo fazer.
Eu escolhi um caminho sacerdotal, passei nele coisas que muita gente enlouqueceria ou passaria a navalha nos pulsos. Moldei por meio dos Deuses, que eu tenho a consciência da existência, toda uma vida que poderia ter sido destruída na primeira paixão há tanto anos atrás. E me criei sozinho. Tive pais, é claro, mas eles ao seu modo e mente fechadas me deram uma liberdade que me sufocou e me deu o direito de criar minhas próprias rédeas e código de ética. Isso tudo me fez, inconscientemente calcular:
“Estou ‘bem’ assim. Achei meu caminho, descobri minha essência, tenho minha liberdade e independência. Será que alguém suportaria viver com tanta certeza? Será que este mesmo alguém não me desviaria do que eu mais busco na vida que é o meu autoconhecimento?”
Tranquei meu peito. Joguei a chave, alguém distante a encontrou, e fez do meu peito moradia. E foi belo, foi lindo. Entreguei-me de cabeça, exagerei no sentimento, esperei que aquilo fosse recíproco. Mas, não foi. Ainda assim mantive aquela história arraigada em mim. Preferia amar este ser distante que nunca iria me dar a oportunidade de um beijo, pois ao menos estava amando, do que viver em busca de alguém por perto que oferecesse qualquer perigo ao meu caminho.
Mas enganar o coração é uma arte que os homens nunca vão domar. Eu amava sim aquele ser, mas era uma lembrança, não ele em si. E por vezes o meu coração escolhia entre as mais difíceis historias uma nova paixão. Acabava que eu não me entregava por ser fiel à lembrança, por não querer me abrir pra ninguém, e porque faz parte do meu ser mesmo demorar a me abrir no amor. Vem também a questão de respeitar o livre arbítrio das pessoas. Me acho tão... instável e firme em minhas decisões que presumo, numa atitude nobre, que é melhor não deixar que a pessoa julgue se isto vai fazê-la feliz ou não. E novamente me tranco.
Não é timidez, não é seleção. Apenas abri mão do amor e ainda assim continuo o buscando todos os dias. Mas, não me permito, não me permito amar. Prefiro viver a solidão, ter algumas certezas e manter algumas dúvidas dilacerantes. Abrir meu universo para uma pessoa poderia desencadear mudanças no meu modus operandi que talvez eu não queira. Por isso, dos amores, os impossíveis, das paixões as momentâneas. Das certezas as minhas, das dúvidas, minha perseverança.
E assim vou dançando solitário um piano melodramático e tirando e repondo peixes num lago de infinitas possibilidades.