AINDA HÁ "AMÉLIA"

A educação mudou muito de uns 40 anos para cá. Meninos eram educados de forma diferente das meninas e a liberdade que a eles era dada chegava a causar inveja no sexo feminino, considerado frágil, fraco. Mesmo as meninas que foram educadas nos padrões que prevaleciam naqueles idos tempos, mudaram, e muito, com as influências dos tempos modernos, com acesso às muitas informações, com modelos de independência financeira e afetiva. Entretanto, ainda encontramos depoimentos de pessoas que pararam no tempo, conservando comportamentos semelhantes ao de “Amélia”, aquela considerada como modelo de perfeição por cuidar bem do seu marido, homem e senhor, dos filhos e do lar,renunciando aos seus desejos. Jurava que havia morrido essa “Amélia”. Alguns resquícios “dela” ainda é possível de encontrar em algumas senhoras, mas encontrar a maior parte daquele comportamento de "mulher de verdade" em carne e osso, há que buscar razões e sentido para tal.

Encontro a filha de uma das “Amélias” da vida e ela me fala sobre como sua mãe, aposentada, continua submissa, dependente afetivamente do pai e senhor. Viu os filhos crescerem, está vendo os dois netos também crescerem e ela “é pau para toda obra”, embora reclame, constantemente, das suas inúmeras funções, os mil encargos, por ser motorista quando os netos precisam, ser administradora e cozinheira, mulher e esposa para o marido que, por sua vez, é indiferente ao que faz e ela ainda tem que se desdobrar para fazer a comida que ele gosta e diz que só ela sabe fazer. No “Dia das Mães”, a filha que mora no mesmo prédio das mãe, resolveu tirá-la da cozinha e, no almoço, ainda lhe serviu uísque, para que ela relaxasse e sentisse o quanto é bom se desligar e gozar o dia. “Relaxou tanto que dormiu a tarde inteira”. A mãe reclama que está ficando esgotada e o pior é que o marido não manifesta o mínimo reconhecimento, isto após 40 anos de dedicação empenho.

Vou ler Joseph Nuttin em seu livro “Psicanálise e Personalidade”. Encontro a resposta para o quadro apresentado, escrevendo: “Eis o nó do problema. Por causa do sentimento de inferioridade que é, frequentemente, muito mais forte nela, a mulher sente-se, muitas vezes, insegura de si mesma e do lugar que ocupa no pensamento das pessoas que a cercam. Principalmente a mulher que envelhece sente sua posição ameaçada, não só nas relações com o marido, como na direção da casa". Quando ela se queixa, quer e precisa do reconhecimento e se coloca como insubstituível, tem seus ganhos com sua atitude de “Amélia’ e se sente satisfeita afastando qualquer tentativa para minimizar suas obrigações no cotidiano.

Não é comum, mas ainda sobrevivem várias “Amélias”. Matá-las? Como? Há muitas formas, mas tudo tem que passar pelo desejo de cada uma. E como escutar este desejo? Vou ao Erich Fromm ao escrever: “A verdade é que a análise tem curado muitas pessoas de seus sintomas e tem ajudado muitas outras a verem-se com clareza pela primeira vez, a serem mais honestas consigo mesmas, a serem mais livres e viverem mais perto da realidade. Isso é, em si mesmo,um feito meritório...”. Resta sair da passividade e ir em busca do que é essencial para se sentir bem, ou mantendo-se na posição de "Amélia, ou se empenhar para mudar. Seu real desejo será norteador.

Edméa
Enviado por Edméa em 20/05/2011
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