a dor em tons leves


Quando os poetas escrevem assim de forma leve sobre os seus dramas e tristezas é muito bom porque os desenham com cores que não ferem as retinas e não sendo densas, percorrem nossos sentidos provocando suspiros sem no entanto queimar como o ferro em brasa das tragédias. E um certo olhar mais realista ao rever enganos, fraquezas diante do amor que se deixou partir, ou que se foi para a nossa suprema tristeza, faz a dor parecer uma dama meio esquisita cuja presença, quando o agudo do sofrimento foi superado, já se torna uma peça sem serventia. Passado o momento doloroso da constatação da perda, o infortúnio vira apenas dado biográfico que logo não passará de lembrança pálida.
 
Amei, amaram... Naquele dia de sol não foi à sala e ele partiu, ela tocava piano e não quis descer... Nosso amor não suportou as pressões e desistimos, rachaduras sem conserto agora.. Nem tu nem eu ousamos sair do sonho. E por medo de perder o que não tínhamos!  A morte que o levou...

Melhor guardar as velhas fotos naquele baú que está bem no fundo do armário. E de preferência tentar não abrir mais. Estavas tão belo e eu dançava ao som de um blues, flores na noite de verão, corpos em faíscas, a vida a sorrir com lindos dentes. Velho filme, folhetim em livro amarelado e coberto de pó do esquecimento. Lá fora o dia grita em ouro e azul. As flores de ontem cobrem o chão de um colorido morrente. E lindas flores novas abriram ao amanhecer.

A vida, como as fotos, entretanto, se olhadas bem de perto, sempre mostrarão detalhes indesejados, mesmo quando tudo parece um paraíso supremo: um cão sujo de lama, sapatos velhos esquecidos de trocar, uma parede riscada. Pontos obscuros , uma palavra que doeu, um desfecho bizarro escondido sob as luzes do encantamento. Nem a dor é de todo procedente, nem a beleza de um romance está imune ao detalhe menos nobre.

História vivida, folhetim escrito, peça encenada, fechou-se a cortina. Nada resiste à ação do tempo, a não ser a teimosia em querer perpetuar esqueletos...



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Crônica de junho de 2009, revista e reescrita -
 
tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 19/05/2011
Reeditado em 19/05/2011
Código do texto: T2981008
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