A máquina dos sonhos

(...e dos pesadelos)

Tem muito mais graça abordar os anos dourados nos roteiros das peças, novelas e, principalmente nos filmes, com aquelas trilhas sonoras gostosas dando apoio, com as danças coreografadas e o guarda-roupa inspirado na rebeldia precursora dos movimentos que se seguiram. Não sai do imaginário de quem viu, na época ou depois, como um aperitivo da efervescência hippie dos “sem destino”, os couros e máquinas Harley-Davidson trilhando a Rota 66. Naquela época e mesmo nos anos que se seguiram, somente em contextos específicos, as motocicletas e motonetas, essas últimas italianamente românticas, ocuparam lugares de destaque. Os tempos eram outros: tempos em que a segurança dava lugar ao glamour, à aventura, à esportividade, à rebeldia... Tempos em que esse veículo era o preferido das pessoas com esse viés na personalidade, ao contrário de hoje, onde é opção de transporte e, ironicamente, até de sobrevivência de uma parte significativa da população nas capitais e no interior. Os automóveis, mesmo mais baratos, não conseguem ser alternativa de preço para as massas urbanas usuária das motos, apesar do entupimento por que, mesmo assim, passam as artérias das grandes cidades com os carros. A viagem entre o sonho aventureiro dos anos de florescimento das motocicletas e a realidade violenta em que se transformou a onipresença dessa máquina adormeceu o senso da sociedade, que exige: freios ABS, Air-bag, cinto de segurança e um sem número de itens de segurança para os automóveis (aos poucos se tornando obrigatórios), e num curioso e sangrento paradoxo, ignora o conceito no qual absorve o uso em escala exponencial da motocicleta com sua concepção absolutamente desnuda parecendo ridicularizá-la. Nenhum estouro no gráfico dos acidentes, nenhuma incidência da carnificina testemunhada diariamente por todos que passam ao lado, nenhuma legião de mutilados nos hospitais provoca a inércia dos engessados legisladores a refletir e agir no sentido de especificar e restringir o uso desse veículo.