Homens de bem

Encostei-me à bancada da lanchonete pedi um café com leite matinal e um pão na chapa. O amigo ao meu lado solicitou um suco de beterraba com cenoura e laranja. Manifestou-se em mim um delicioso saudosismo dos tempos bons da minha vida. No primeiro gole dele naquele copão de vitamina (era assim que minha mãe chamava), um lampejo de memória me remeteu às lembranças inesquecíveis de quando eu era feliz e não sabia...

Tempos bons aqueles!

Que minha mãe me obrigava a tomar suco de beterraba com laranja e cenoura, que eu detestava, mas fazia bem pro sangue pra pele e pra memória, segundo ela. Uma tortura.

Ela guardava a sobra da comida do prato na geladeira quando eu dizia que não queria mais ou que não gostava daquilo, então, quando eu sentia fome novamente, me fazia comer aquela sobra sem “choro nem vela”.

Tempos bons em que meu pai fazia uma tal “cara feia” pra reprovar um ato errado meu, e eu já interpretava com exatidão o que ele queria dizer. Essa “cara feia” pela minha mãe nunca funcionava, um doce de pessoa.

Tempos bons que eu sentia ciúmes dos meus irmãos com minha mãe achando que eles estavam recebendo mais carinho do que eu, mas eu disfarçava. Confidências mais tarde me revelaram que eles sentiam o mesmo.

Tempos bons em que eu pedia 50 centavos pro meu pai, mas ele me dizia que os únicos 50 centavos que ele tinha eram pra lustrar seus sapatos, e que se eu quisesse, bastava lustrar os sapatos dele no lugar do engraxate que faria o “suposto” serviço e assim ganhava os 50 centavos.

Tempos bons em que eu amarrava um barbante num carrinho cheio de areia na caçamba e ia pra rua brincar a procura dos mais complicados obstáculos. Era mais tranqüilo brincar nas ruas aquele tempo (calma... não sou tão velho assim...).

Tempos bons em que eu achava que carros podiam andar nas paredes, que eu transformava uma caneta em brinquedo sempre que faltava um personagem na minha trama infantil, a caneta sempre virava um monstro ou um míssil maligno que destruiria a humanidade se o mocinho não o detivesse.

Tempos bons em que eu brincava de cavalo montado nas costas do meu pai.

Tempos bons em que eu, já adolescente, brincava escondido com meus velhos brinquedos e canetas com receio de ser flagrado por alguém. Tempos bons de “pop love” a primeira paixão, o primeiro beijo. Ah, que saudade.

Tempos bons, e um dos melhores, a época do primário. Brincar de salada mista no pátio da escola ou “pique ta” no intervalo das aulas ou nos tempos vagos.

Tempos bons... Tempos bons... Tempos bons... que só voltam em lembranças de vez em quando em lanchonetes pela vida a fora.

Aprendi a negociar e não ceder de primeira. Aprendi a comer de tudo, a valorizar as mínimas coisas, a conquistar mais do que pedir, a ajudar mais do que atrapalhar, a me erguer quando cair, a aprender quando errar, a saber que errar é necessário, que não se pode vencer sempre, que vitórias são resultados de dedicação à qualquer coisa que se faça na vida, que não se pode ter de tudo, que não se joga comida fora, que beterraba faz bem a saúde, que violência não leva a nada, que família é tudo de bom, que amores vem e vão, aprendi a não ligar para as coisas mínimas que não acrescentem nada a vida, e a valorizar as coisas mínimas capazes de fazer o máximo de diferença em nossas vidas, que obstáculos são necessário, que realizar apesar dos obstáculos é grandioso, que dar a mão a quem tem menos é nobre, que acolher um cachorro de rua é humano, que respeitar as diferenças é necessário, que medo de avião é normal, que nem tudo que é fácil de mais presta, que amor de mãe é incondicional e igual pra todos os irmãos. Descobri que ter aprendido a amarrar um cadaço de tênis depois do meu irmão mais novo não foi vergonha nenhuma, que cada um tem seu tempo. Aprendi a agradecer, a pedir desculpas, a assumir os erros. Aprendi a conquistar, a ganhar um não com respeito, receber um sim com alegria, a dizer não com firmeza, a falar sim com presteza. Aprendi a nadar com meu pai, ele aprendeu a lustrar sapatos comigo, aprendi a não ter vergonha de tudo, e a não desistir por nada.

Aprendi... Nossa como eu aprendi! Continuo aprendendo.

Aprendi que terei uma missão difícil pela frente, mas que no final valerá à pena. Transformar meus filhos, como meus pais transformaram a mim e meus irmãos.

Em pessoas de bem...

Prof Cristiano Cruz
Enviado por Prof Cristiano Cruz em 18/05/2011
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