A alegria de ser uma mortadela curitibana
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As mortadelas curitibanas são mais felizes que as de outras paragens. Fato. Pense numa mortadela. Melhor, na vida de uma mortadela. Sim, eu sei que uma mortadela não tem vida, assim, no termo estrito da palavra, muito menos sente felicidades. Mas deixe de ser tão tucano e desçamos às fantasias da linguagem. Lá, mortadela tem vida, sim. Pelo menos as minhas mortadelas. E a vida de uma mortadela – seja a minha ou a sua – se passa dentro da geladeira. O máximo de passeio que ela faz é da geladeira para a mesa da cozinha. Em dias que fogem à rotina, chega à pia. Não é uma vida muito glamorosa, convenhamos. Abre-se a porta, faz-se a luz, saca-se a mortadela, leva-a à mesa, apanha-te a faca (o Ernesto Nazareth o cavaquinho) e corta-a. Será que dói? Só nas fantasias.
Depois, um naco a menos, ela volta para a geladeira. E lá fica, naquela vidinha ao lado da margarina, do feixe de brócolis, dos ovos (que sempre contam vantagem, pois vivem em família), do resto de feijão da hora do almoço e do leite longa vida. Aliás, o leite longa vida é o ser mais deprimido da geladeira, pois, enquanto na caixa, tem todo um futuro pela frente. Quando lhe cortam as pontas, perde a força - tal e qual Hércules. Triste. Mas voltando à mortadela, a danadinha fica lá, quietinha, no escuro, indo e voltando para a geladeira. Cada vez mais encolhida, fatiada, resignada... Assim é a vida. A vida das mortadelas não-curitibanas.
Já as mortadelas curitibanas, que alegria! Não precisam viver sufocadas em um caixote escuro. Só o fazem assim se quiserem, pois tem maluco (seja eu, você ou a mortadela) para tudo. Elas têm escolha! Não precisam trocar idéias sempre com os mesmos restos de comida (se bem que, se são restos, nunca são os mesmos). Não precisam se desfazer das próprias pimentas como forma de pagar proteção ao jarro d’água, que se acha o dono do bairro e nem as usará, repassando-as ao seu parceiro de extorsão, o frango tonto. Não, as mortadelas curitibanas têm liberdade. Podem, como o mochileiro, abrir a porta, sair sem rumo e não voltar mais. Podem curtir o mundo, viajar além da mesa, da pia, do fogão, do corredor que dá acesso à sala, do hall de entrada (isso só fazem as mortadelas de boutique), da garagem... ou seja, as mortadelas curitibanas têm o mundo a seus pés.
E por quê?
Porque elas não precisam voltar. Não estão presas ao frio conservador da geladeira. Na capital paranaense elas não se putrefazem sob parcas horas de ar livre. Não, claro que não. Aqui em Curitiba, melhor que pote de salmoura para conserva, faz frio de geladeira em qualquer canto. Mais: logo fará frio de congelador e, se assim for (e pelo jeito estamos a caminho disso), mais que passear sem se preocupar, a mortadela curitibana terá vida eterna.