ACROBACIA NO PORÃO

Toda nação tem um lado negro que poucos conhecem. Lado sujo, feio, absurdo até. Quem acreditaria que alguém em perfeito juízo entraria numa sala de aula para aprender a ‘arte’ de torturar? Qual era mesmo a grande ameaça que pairava sobre a cabeça da nação brasileira? Era o zelo que levava os ‘heróis’ à equação? Não sei. Não estava lá. Não foi no meu tempo, mas merece reflexão.

Que escola era essa? Tanta concorrência... Ela até oferecia um prêmio e muitos tentaram merecê-lo, porém poucos tiveram êxito. O prêmio? A medalha do pacificador. Orgulhoso ficava quem recebia tal prêmio. Quem o merecia era pacífico? Não sei dizer. Não estava lá. Não foi no meu tempo. Não sei quais eram os critérios usados para a seleção. Sei dizer, pelos livros lidos e documentários assistidos, mereciam os que demonstravam atos de bravura e serviços importantes prestados a determinada Instituição.

VAMOS ACOMPANHAR UM DIÁLOGO ENTRE DOIS PERSONAGENS:

- Perigo à vista, meu Capitão!- Grita todo trêmulo o soldado.

- Quero todos de prontidão! – responde o chefe. “Não se esqueça, Meninão. É preciso uma sinfonia bem ensaiada, assim o perigo dá o tom. Pelo andamento do ensaio perceberemos o progresso. Aniquilamos a ameaça e tudo acaba bem.”

Continua o Capitão, depois de passado o aperto: - Quer entrar para o grupo?

-Sim, meu Capitão!

- Vamos verificar se você vai dar para o negócio.

- Sim, meu Capitão!

- Sabe representar qualquer papel quando for chamado ao palco?

- Sim, meu Capitão!

- E se a corda arrebentar, de que lado você vai ficar?

- Do lado que o senhor quiser... Esquerda, direita, de frente, de costa.

- Se colocarem você contra a parede?

- Não darei nome aos bois, meu Capitão!

- E se perguntarem o porquê de tudo isso?

- Direi que é para a defesa da Nação.

- Meninão?

- Sim, meu Capitão!

- Por acaso... No porão você viu alguma coisa? -Pergunta com astúcia. Tentando pegar o Meninão no deslize.

- Vi não, meu Capitão. Era tudo tão escuro. Parece até que deixava lá fora meus olhos, meus ouvidos... E até meu coração.

- Depois de ouvi-lo falar assim, sinto que acertei na mosca. Você vai ser recompensado, gratificado, promovido!

Orgulhoso, o soldado estufa o peito. Sente que vai subir correndo ‘os degraus’ da hierarquia. Vai ser grande, vai ser poderoso, vai ser respeitado.

Continua o Capitão: - Se continuar conforme a cartilha, andando na linha e honrando a Instituição... Você vai longe, meu rapaz.

O soldado não cabe em si, mas precisa tirar algumas dúvidas... Antes de ser dispensado pede permissão pra falar:

- Tenho ainda algumas dúvidas, meu Capitão.

- Pode falar.

- E se o preso tiver ficha limpa e for fisgado por engano?

- Depois que entrar no porão tem que fazê-lo confessar qualquer delito.

- E se meterem caneta na gente?

- Botamos os canetudos no porão. Lá eles vão aprender o B com A, faz BA.

- E se a família seguindo as pistas chegar até aqui?

- Você sobe no palco e representa seu papel.

- E se alguém dormir e não acordar?

- Meninão? Cansei de tanta asneira! Você estará lá pra dar um jeito no caso. Afinal, não foi você mesmo que disse que o porão é muito escuro?

- Desculpe minha insolência, meu Capitão.

- Está desculpado, Meninão. Mas... Duas coisas vou lhe dizer. Primeiro: Cresça logo, Meninão.

Segundo: Aprenda como funciona a máquina, se não...

OBS. Depois de ter lido os livros: Ditadura escancarada e Ditadura derrotada (autor: Elio Gaspari, editora Campanhia das Letras;Brasil: De Getúlio a Castelo(autor: Thomas Skidmore;editora Paz e Terra); O Brasil sem Retoque- A História contada por jornais e jornalistas,volumes I e o II(autor: Carlos Chagas, editora Record) passei a conhecer um pouco mais sobre um tema que nunca ouvi na escola, nem quando criança ou adolescente ouvi qualquer adulto comentar.

14/05/11

Ione Sak
Enviado por Ione Sak em 18/05/2011
Código do texto: T2977916
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