VESTÍGIOS DE ILUSÃO
Pude vê-lo cavalo por cavalo formar sua tropa. Os animais pareciam adestrados obedecendo ao comando da sua voz.
Por varias vezes o vi enxugar o suor do rosto, ocasião em que retirava do bolso aquele lenço quadriculado, desdobrava, fazendo com que o pano absorvesse todo o líquido que o inquietava. Às vezes penso que era aquele o seu tesouro, claro, depois da sua família.
Prezava muito o trabalho, o qual dizia que apesar do cansaço era a maior sombra de dignidade que podemos carregar conosco.
Na bagagem, além do alforje, as lembranças, os sonhos, a esperança de que tudo melhorasse um dia.
Meu pai era rico. Tinha uma sabedoria imensa; que de maior valia pode um homem carregar consigo? Formara-se na universidade da vida. Fosse qual fosse o assunto possuía seus argumentos, aliás muito convincentes.
Se houve uma pessoa a quem admirei e de quem serei eterno admirador, essa pessoa é ele, mesmo depois da despedida.
Saía para a luta antes que nascesse a manhã. A labuta sobre o sol escaldante causara-lhe as rugas no rosto, as quais não lhe sobrepujavam a robusta beleza. Possuía um semblante astuto, de homem forte e lutador, em contraste com os olhos azuis feito biroscas, que lhe enfeitavam o sorriso.
Antes que a tarde adormecesse de tudo, lá vinha ele surgindo no horizonte. Podia ouvir o cincerro da mula madrinha, que ao comando do suntuoso tropeiro servia de guia às outras da tropa.
Assim vinha o aconchego da noite, quando deitado em seu colo ouvi histórias, das quais ainda me lembro, e que com orgulho repassei à minha filha.
Tenho orgulho em dizer que quando fui a primeira vez à escola, já sabia ler e escrever, graças a ele e a minha mãe (a qual ressaltarei noutro dia). A tabuada trazia na ponta da língua.
Meus pais nunca frequentaram nenhuma escola, mas eram didaticamente perfeitos e carinhosos.
Nas minhas lembranças, às vezes rio, noutras choro. A saudade bate. A ausência daquele anjo da guarda, deixa-me quando em vez desconfortado e desprotegido, não me envergonho em dizer. Nesse momento olho na parede a velha fotografia, tudo vem à tona. No meu baú de recordações, oculto no fundo do peito, de forma singela acomodo tudo o que a ele se refere. Dedicar a ele minha existência seria muito pouco. Que seus sonhos não tenham sido em vão. Os sonhos nunca são demais. Aí, meu velho, valeu. Valeu mesmo!
Saulo Campos
Itabira MG