Saci contemporâneo em um cruzamento.
São seis horas da noite. A hora dos anjos.
A avenida movimentada da grande Fortaleza. Ele ainda está lá, a implorar comida e dinheiro, pra sabe Deus e ele o quê. Com seus músculos, pele negra, traços na face que traz indagações. Corpo que aponta profunda reflexão a qualquer um que o vê. Pulando e pulando, pois uma das pernas lhe falta. Vestindo apenas uma bermuda desfiada, provavelmente uma ex-calça.
Uma menina passa por ele dentro do carro. O carro para no sinal e ela fica impactada com a imagem: "Nós ainda nos lembramos do nosso querido Saci Pererê? Este é o dos nossos dias de hoje." E o sinal abriu. Ela foi seguindo seu rumo... Mesmo olhando para trás e vendo aquele ser dando meia volta e pegando seu caminho.
Mas algo dela ficou. Ela não está mais inteira. Parte dela ficou lá, com aquele homem.
Um anseio que não passa é ajudar. Mas como? A vida amarga as pessoas, fazendo-as acreditarem que ela é uma entidade imutável, de correnteza forte.
Eu, que fui criada em pressupostos cristãos, sigo acreditando na bondade do mundo, mesmo reconhecendo essas tristezas profundas.
Políticos não são apenas corruptos. São ladrões de sonhos vivamente humanos.
Eu, que sou parte essa menina, sinto até hoje uma vontade abraçá-lo e olhá-lo nos olhos.
Nos mais, ninguém o vê mais. Eternizado em meu texto. Sei que ele é muito mais do que o pouco que meus olhos me entregaram.