O CRUZEIRO

Eram nove e dez da manhã do dia 03 de abril, quando cruzamos a linha do equador no ponto Latitude 0º, 0’: 300 N e Longitude 35º, 48’: 300 W e no dia 05 de abril, por volta das treze horas, cruzamos a cordilheira meso-oceânica, surgida com a fragmentação da placa tectônica que fazia o supercontinente Gondwana.

Nessa noite, paramos diante de uma das ilhas que formam o arquipélago de Cabo Verde para o desembarque de um passageiro cardiopata que estava bem ruinzão. O movimento da tripulação, associado ao trabalho do pessoal do barquinho que faria o resgate, proporcionaram um espetáculo emocionante, aplaudido por todos que assistiram.

As lufadas dos ventos frios e fortes, associadas ao movimento das águas, contribuíram para aumentar a iminência do desastre e o frio na barriga de quem, como eu, assistia a tudo aquilo pela primeira vez.

Dia 08 de abril, atracamos em Santa Cruz de Tenerife, fizemos o “city tour” e fomos conhecer o vulcão El Teíde que é o ponto mais alto da Espanha porque, Tenerife está no arquipélago das Canárias. Diante do vulcão nevado, acredito que tenha acontecido comigo a mesma sensação de encantamento que acontece com quem vê o mar pela primeira vez.

Imponente, com a coroa de neve eterna (até quando não se pode avaliar), o vulcão domina toda a paisagem sem vegetação, como se a última erupção tivesse acabado de acontecer. O ambiente é tão inóspito que serve de cenário para filmes, como perdidos no espaço, planeta dos macacos, X mem, tal a semelhança com os cenários lunares.

Na rua movimentada do centro de Tenerife, cheia de vendedores ambulantes e fixos, transeuntes residentes ou não, turistas, como eu, admirados com a arquitetura da cidade, com a maneira gentil com que somos recebidos, com os sons vivos de uma língua estranha, falada entre risos simpáticos e gestos acolhedores, eu conheci Amanda. Vestida com o traje típico da sua região de origem, confeccionada em tecido vaporoso azul celeste. Calça comprida com babadinho, na altura no tornozelo, ornado com bico bordado e pedrinhas brilhantes. A camisa de mangas longas, também com o mesmo bordado nos punhos e no decote. O cabelo trançado rente ao couro cabeludo estava salpicado de continhas coloridas onde predominava a cor azul celeste, talvez para combinar com a roupa ou para aproximar do céu aquele anjinho negro de sorriso cativante. Nos pés chinelas brancas fechadas na frente.

Os olhos tão negros quanto a cor da pele eram brilhantes e expressivos e reverberavam o sorriso ornado por duas fileiras de dentes miúdos e muito brancos, emoldurado pelo rosto redondo, bochechudo e suave como de um querubim. Pelo seu tamanho e comportamento, avaliei que Amanda devia ter quatro anos ou cinco no máximo.

Todos os comerciantes estavam sempre atentos aos movimentos de Amanda e, vez por outra, mandavam que ela fosse para perto da sua mãe, a volumosa vendedora ambulante de bijuterias, vestida com as cores fortes e marcantes das africanas. Laço na cabeça, grande e amarelo e um neném amarrado às costas por um pano vermelho. Do neném só se distinguia a cabecinha coberta por um boné azul da mesma cor da roupa de Amanda. Fiquei sentado no banco da praça, tomando café e observando aquela família que, talvez por conta da intolerância de pessoas estranhas, tenha sido expulsa de suas terras ricas em minérios, cobiçados pelos autoproclamados mentores do mundo, detentores das verdades absolutas.

Dizem que as mães são todas iguais, que só mudam de endereço. Se isso é verdade, também é verdade que criança é igual, em qualquer lugar do mundo.

Quando alguém falava com Amanda, ela respondia num idioma, talvez tribal, misturado com o espanhol, ostentando o eterno sorriso. Quando era a mãe que falava, ou quando ela queria alguma coisa que lhe era negada, a comunicação se fazia com o choro convulso, desses que só tem o som, sem uma única lágrima que justificasse tamanho escarcéu.

Surgida não sei de onde, uma moça volumosa como a mãe de Amanda, falou umas coisas com as vendedoras de bijuterias e segurando a mãozinha de Amanda, levou-a através da multidão...

Dia 10 de abril, atracamos em Casablanca, no Marrocos. As vestimentas, os costumes, o comportamento do povo, a língua são em tudo diferente do que até então havíamos visto.

Nosso guia falava fluentemente o português e nos levou a conhecer os jardins do palácio real, a cidade efervescente com vendedores ambulantes e turistas, o mercado público de frutos do mar e a mesquita do rei Hassam II, uma joia da arquitetura moderna ornada com o mais genuíno artesanato marroquino.

Essa mesquita foi construída de tal forma que une os elementos: a terra; onde está edificada, o ar; que entra pelas frestas ao rés do chão e sai pela imensa claraboia que se abre para que a luz solar ressalte a beleza das peças esculpidas e, a água; que com o movimento natural das marés, inunda a piscina, construída no subterrâneo, bem próximo ao local onde os fiés fazem as abluções rituais antes de cada oração.

No Marrocos os minaretes das mesquitas são quadriláteros (em todo resto do mundo muçulmano são circulares), e é de lá que o Muezim chama os fiéis para assistirem a pregação do Imã (título que se dá a esse notável, geralmente idoso) que escolhe aleatoriamente um verso do Corão, explica o significado e sua aplicabilidade no dia a dia, depois, se junta aos demais fiéis, na oração, para que fique bem claro que não há sacerdotes nem quaisquer intermediários entre o ser humano e “Alá, O Grande.”

À tarde, fomos passear na Medina (cidade dentro do muro).

Dia 11 de abril, atracamos em Gibraltar que é um pedaço da Grã-Bretanha ao sul da Península Ibérica. É ponto estratégico para quem deseja ter controle sobre o tráfego na entrada do Mediterrâneo. Apenas catorze quilômetros separam a Europa da África, no ponto que se chamou de as colunas de Hércules, o herói da mitologia grega.

Gibraltar é uma cidade limpa, organizada onde tudo funciona bem. A avenida Churchil cruza a pista de pouso que pode ser vista do maciço rochoso, onde foi cavado um túnel com mais de cem metros, com diversas aberturas, de onde os canhões poderiam alvejar quem tentasse atravessar o estreito de Gibraltar.

Uma das atrações são os macacos que habitam essa parte alta, que apesar dos avisos em contrário, são alimentados pelos turistas que sentam junto deles para serem fotografados. Eu não dei alimento, mas fui fotografado junto a um deles.

Dia 12 de abril, atracamos em Palma de Maiórca. Como nas demais cidades já visitadas, tudo muito limpo e organizado para que o turista se sinta bem e volte com os euros tão necessários nesses tempos de apertura generalizada. Tive a oportunidade de conhecer uma arena de touros, tal como nos antigos filmes sobre o tema.

Dia 14 de abril, atracamos em LaValletta, na ilha de Malta. É um local onde se respira história, pois o lugar tem sinais de ocupação desde 5200 aC.

Já foi dominada por vários povos (fenícios, gregos, romanos, ingleses, franceses, árabes), mas hoje é independente. Uma das curiosidade é que as casas são construídas com pedra calcária e os telhados, feitos de pedra, não são avistados das ruas. Parecem caixas enfileiradas, todas quadradas e monocromáticas.

Dia 16 de abril, atracamos em Dubrovnik, que é a principal cidade turística da Croácia que durante muito tempo fez parte da extinta Iugoslávia. Visitamos o mercado público, a feira livre e a farmácia mais famosa do mundo.

Nessa noite, no teatro do navio, assistimos ao espetáculo de despedida do cruzeiro e o comandante Raffaele Russo, falou em nome da tripulação, nos seis idiomas (italiano, espanhol, português, francês, inglês, alemão) que nossos ouvidos já estavam acostumados a ouvir e entender.

Dia 17 de abril, atracamos em Veneza, na Itália. O desembarque foi um ritual tranquilo e bem organizado. A mala me foi entregue imediatamente após o passaporte receber o carimbo do controle de imigração da Polícia Federal da Itália.