"VAI UMA PEDRA AÊ TIO?"

É bom passear pelas ruas, observar coisas antigas de um jeito novo. Quantos ângulos inusitados, e as pessoas? Umas diferentes das outras, todas com suas estórias e problemas. No meio dessa introspecção, vez em quando o tempo nos permite filosofar, refletir sobre a vida, fui interrompido por uma voz: “Vai uma pedra aê tio?” Era um adolescente com modos de homem feito, sua pergunta fora feita com firmeza. Não o entendi direito, vai o quê? Na mesma entonação repetiu: “Vai uma pedra aê tio?” Eu sabia o que ele havia perguntado, só quis ganhar um pouco de tempo para refazer-me da desconcertante abordagem. Não me senti violentado tampouco um drogado, então, resolvi dialogar com o rapaz para tentar entender o que ele queria.

Você acha que preciso mesmo dessa uma pedra? Perguntei-lhe. Claro! Todos precisam, principalmente os que ficam assim como o senhor, pensativos, cheios de idéias negativas. E a pedra resolverá os meus problemas? Claro! Vai esfriar sua cabeça e o senhor vai esquecer essas “negatividades”, ficará mais tranqüilo e relaxado, vai pensar melhor na solução. E você usa a pedra quando quer resolver os seus problemas? Sabe tio, na real, meus problemas, é um só, é saber sobreviver nessa vida complicada e sem opções, além do mais, se não estivesse vendendo, estaria consumindo, nunca as duas coisas, prá não embolar. Você tem família? Tenho tio, meu pai é parecido assim com o senhor, ele usa, mas tá sempre tranqüilo, nunca “pega no meu pé”, não pode saber que me viro, que dou meus pulos, se soubesse, ah! Ia ser “pobrema” querer de graça.

E você estuda? Claro, quando posso vou na escola, o professor é meu brother, já vi ele na “boca”, fazendo o quê, não perguntei, passeando é que não foi, mas se tava lá é dos meus. E o senhor nunca usou? Experimentei na juventude, não era a minha, não segui adiante. É uma pena tio podia ser meu cliente “vip”, o papo tá reto, mas preciso correr atrás da grana, fui.

Desapareceu na praça no meio das pessoas, fiquei ali pensando muitas coisas, muitas culpas, inclusive a minha. Nem tive muito tempo para refletir, pois, uma pequena mãozinha pousou no meu ombro: “Vai uma pedra aê tio?”.