PALERMO SHOOTING, À PROVA DE MORTE E OUTROS

UM PASSARINHO me disse que o que me motiva a criar é o fato de sentir-me com isso uma pessoa desejável. É. Pode ser. Não apenas isso, obviamente. Seria pouco. O ato da criação é uma coisa muito maior do que isso, e supre uma gama muito maior de necessidades, ainda que saibamos que todo artista gosta, sim, de ser uma espécie de objeto de desejo do apreciador de arte, de sua arte. E, de alguma forma, Eros está de férias em mim. Está? Sei lá. Talvez esteja. Não tenho criado muito, é verdade. E como praticamente não tenho produzido arte e coisa parecida, vou ver se falo um pouco da arte que venho consumindo nos últimos meses. Algumas coisas são mais ou menos novas para os meus parâmetros retardatários, outras são velhas mesmo. Não sou crítico de cultura, portanto estou quase sempre bem atrasado. Então aí vai uma ou outra sugestão. Pra você, querendo, comprar, ou, “alternativamente”, fazer download, como é a praxe.

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Não sei como os críticos não gostaram do Palermo Shooting, filme de Win Wenders, que me disseram ter sido vaiado em Cannes. Que absurdo. É um filme lindo. É sobre o medo e sobre a morte. E sobre vencer o medo. O filme é sensual sem sequer ter cenas de nudez ou falar em sexo. Achei o filme magnífico. O que viram de tão errado nele? Será o tema batido? Será a fotografia “limpa demais” para um Win Wenders? Vá entender... A trama está algo entre O Sétimo Selo, de Bergman, e... sei lá que outros filmes. Quem sabe Asas do Desejo, do próprio Wenders. Ao assistir, me veio à mente um dos meus livros prediletos, As Intermitências da Morte, do José Saramago, que eu recomendo. Uma das inúmeras coisas bacanas em Palermo Shooting é a edição de som. Acompanhei o filme ouvindo-o em meus headphones, estéreo, é claro. Há uma coisa que nos aproxima muito do protagonista do filme, que é o seguinte. Ele está sempre ouvindo música, pelas ruas, em seus headphones, também estéreo. Cada vez que ele os tira dos ouvidos, um de cada vez, o som sai também dos nossos ouvidos, um de cada vez. Entende? Quando ele tira do ouvido direito, o som do lado direito do nosso cessa, ficando apenas a música no lado esquerdo. Quando tira o esquerdo, o som da música é totalmente interrompido. É claro que a experiência funciona para qualquer som estéreo, e não apenas fones de ouvido. Um grande plus do filme é a aparição de Dennis Hopper em, acho, seu último papel. Dennis, que morreu ano passado, tem uma extraordinária aparição ao final, onde representa falando em italiano, fazendo papel de, imaginem, a morte. Comparo sua aparição à de Marlon Brando em Apocalipse Now. Breve, marcante, pujante. Uma heresia esta comparação aqui? Não importa. Salve Dennis Hopper. Enfim, não vi pecado no execrado filme de Win Wenders. Muito pelo contrário.

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Quem, por forças do destino, não conhece o filme Sem Destino, de 1969, de (e com) Dennis Hopper, não deveria perder tempo. Viva e veja. Veja e viva. Sem Destino, mais Juventude Transviada, com James Dean, mais O Selvagem, com Marlon Brando, fazem parte de um estudo que publiquei sobre cinema e contracultura. Aponto em meu livro – Cinema Rebelde, à venda no site do Clube de Autores – as relações entre os três filmes e toda a contracultura estadunidense.

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Tudo Pode Dar Certo não acrescenta muito ou nada à carreira de Woody Allen. Mas mostra a capacidade deste irremediavelmente irônico judeu ateu novayorkino em manter-se em forma. O filme cheira a hormônios e é uma ode à liberdade sexual – como quase toda a bela e repetitiva obra de Allen. Mas, acreditem ou não, o filme tem muito frescor. Diversão mais que garantida. Diversão com reflexão, em tempos de discussão acalorada sobre casamento e sobre homofobia.

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À Prova de Morte, de Quentin Tarantino, é uma grande homenagem aos dublês de filmes de ação com automóveis. É um “anti-Velozes e Furiosos”, eu diria. Filmado antes de Bastardos Inglórios, e lançado depois, À Prova de Morte retoma as características mais trash do diretor. As texturas de cor estourada ou desbotada ou escura ou com imagem trêmula, ou ainda os cortes propositalmente mal feitos, remetem aos filmes B dos anos 70. É engraçado como convivem uma interessante reconstituição de época, com anacrônicos telefones celulares, por exemplo: um grande sarro. Quem saca um pouco de cinema sabe que é uma superprodução, mas tudo é desconstruido com tanto primor que qualquer pessoa desavisada pode jurar que trata-se de um filme barato. Um achado. Tarantino é um grande comediante de Hollywood – talvez hoje o maior – e muita gente não consegue perceber isso, incrivelmente.

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Comer, Rezar, Amar é um bom filme. Ou quase bom. O best-seller eu não li. Mas isso não tem importância. O maior porém é que Julia Roberts e Xavier Baden não estão convincentes em seus papéis. Julia se esforça, mas não emociona. Talvez porque seus dilemas são cercados de luxos dos quais a mulher média não desfruta. É uma pena, pois todo o filme é um colírio para os olhos. Lindíssimas cenas rodadas na Itália – como em Palermo Shooting – e em Bali. Belas imagens com uma bela trilha sonora, com Neil Young, um pouco de bossa nova, e canções inéditas de Eddie Vedder, que já havia colocado a cereja em cima do delicioso e ácido bolo de Na Natureza Selvagem – o hoje clássico filme de Sean Penn, compondo lá a trilha inteira. Para o Comer..., se for DVD, prefiram a versão do diretor.

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Ilha do Medo, de Martin Scorsese, com Leonardo Di Caprio, é um dos mais alucinantes filmes dos últimos tempos. Uma realização. Agora, se parece com tudo, menos com um filme de Scorsese. Ao contrário de outro filme recente do Di Caprio – o também ótimo e alucinante A Origem – este Ilha do Medo dá pra gente entender. O que vai acontecer com a cabeça de Leonardo após estes dois lisérgicos filmes?

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A tempo. Eu sei que muitas pessoas de bem se recusaram a ir ao cinema para ver Tropa de Elite 2 por estarem chateadas com o fascismo do (ou provocado pelo) primeiro filme.

Eu também relutei em assistir, pelo mesmo motivo. Entretanto, sempre atrasado, claro, encorajei-me e peguei um DVD pra ver. Pois bem. Pra início de conversa, o filme é realmente bom. Tropa de Elite 2 soa como um pedido de desculpas do cineasta José Padilha pela abordagem rasteira dada no primeiro filme a temas tão complexos. Tropa 2 é bem melhor do que eu esperava. O filme chega a ser redentor. Agora sim. Agora aquele buraco mais embaixo é mostrado. Por exemplo, uma das cenas finais, gravada na ALERJ (Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro) tem um peso inacreditável, quando o personagem principal acusa de corrupção a instituição. A cena é corajosa. Glauber Rocha não seria tão contundente – até porque a censura não permitiria. O clima de conspiração generalizada estabelecido na trama é inédito no cinema brasileiro. Padilha, com a ajuda de um elenco afinadíssimo, estampa este mea-culpa de altíssimo nível e firma-se como um dos maiores realizadores do cinema brasileiro – ao lado de Fernando Meireles e Walter Sales.

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Não tenho lido ficção nos últimos tempos. Mas no carnaval, li o romance Quarta-feira de Cinzas, escrito pelo ator Ethan Hawke, o eterno Jesse, do filme Antes do Amanhecer, um tipo de cartilha romântica pós-moderna. O livro é extraordinariamente bem estruturado. É uma “road love story” construída sob dois pontos de vista para os mesmos acontecimentos: intercalam-se o ponto de vista do mocinho e o da mocinha. O multiartista Hawke não decepciona como escritor. E ele tem outros livros.

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Música nova. Quem não conhece os discos Efêmera, de Tulipa Ruiz, e Feito Pra Acabar, de Marcelo Jeneci, não sabe o que está perdendo: nem só de samba vive a boa nova música brasileira. Mas, falando em samba, devo, contudo, admitir que o novo disco de Adriana Calcanhoto, Micróbio do Samba, é quase imperdível. Trata-se de um samba "sem raiz" da melhor qualidade. No quesito música para ver, o meu videoclipe nacional preferido é o da música Nightwalk, de Thiago Petit. A atriz no vídeo é a nossa – e de todo o mundo – Alice Braga, que está naturalmente sensual em todo o clipe, caminhando, dublando e dançando com toda sua graça. Impossível graça maior.

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Quem quiser entrar na minha... Aí estão as dicas. Se é que há algo aqui desconhecido de vocês. Às vezes chovo no molhado que é uma beleza...

(L.F.)