HOSPÍCIO
1997.
 
 
   Sim, há “loucos” que trafegam sonambulantemente nessas ruas...
   De vários venho me tornando amigo e admirador. Idéias e ideais semelhantes; intuitivos e de afinidades onde tudo começa do nada sem questionamentos. Acabo de ganhar de um deles: A Insustentável Leveza do Ser de Milan Kundera; me disse ser ótimo, claro que vou ler!
   Sobre os “loucos”, suas roupas já assim os confirmam, fora as tatuagens e a educação no dialogar. Uns me pedem para baixar o som, vieram para o interior em busca de paz, uma suposta paz transcendental, nada de “heavy metal”, outros só encontram paz no “heavy metal”; falam de árvores, plantas, tomam banhos de ervas, lamas, perguntam se sou careta, contam-me suas aventuras, onde pretendem ainda ir, mostram-me sua bagagem, conversamos bobagens, acendem-se cigarros, incensos... são místicos, boêmios, carregam bornal com água de tal fonte rejuvenescedora; naturalistas, adeptos do nudismo, vegetarianos, carnívoros, fidelistas, guevaristas, vigaristas, marxistas, niilistas e artistas. Um é artista plástico, outro hippie em plenos anos 90, outro saiu da Argentina para ser hippie na Holanda no início dos anos 70 voltou para o Brasil e montou um hotel fazenda em Barra do Piraí, um vive de “caminhar e observar” a natureza, outro de fazer música, outro de cantar, um de fotografar... deixo que falem, que escutem, que toquem, que cantem, que fiquem em silêncio; faço-lhes ouvidos atentos aos seus mais variados assuntos, relatos, opiniões e filosofias. Contam-me também aprazíveis biografias.
   São meus amigos.
   São contra politicagem, sacanagem, contar vantagem, são contra regras, contra-quase-tudo, contra-quase-nada e eu deixo que falem.
   São meus amigos.
   Todos eles amam uma mesma mulher: a vida! Linda, sexy vida. São individualistas; por horas, dias, semanas, reclusos em redomas; às vezes, crianças mimadas, carentes; egocêntricos, ousados e medrosos.
   Alguns vestem-se esquisitamente, falam esquisito, são loucos... uns falam até em outros idiomas, como é o caso de um policial civil dissecador de defuntos que é poliglota e nessas férias deu um “pulinho” ali na Tailândia. Falam de sentimentalismos e de sentidos ainda não arrolados na listagem de sentidos humanos, são loucos e são meus amigos. Às vezes convictos em suas incertezas, exagerados, exclusivistas, meticulosos e egoístas. Um deles acredita em buracos negros e OVNIs que “povoam” a Serra da Beleza e por lá perde (ou ganha, não sei) noites sem fim. Uns me acham pessimista, outros me acham otimista e ainda há uns poucos que me acham realista. Uns são quietos, tácitos, já outros um só estardalhaço, um estrondo, um troar de risadas engasgantes.
   Querem me emprestar livros, querem meus livros emprestados, meus discos, gravam CDs em minhas fitas cassetes, discutem gostos e coisas indiscutíveis. Uns se embriagam e choram (chatos esses, mas só na ocasião da embriaguez); sensíveis a sons, cores e palavras.
   Gostam de Raul Seixas, Raul Júlia, Janis Joplin, Chico Mendes, Chico Buarque, Victor Hugo, Caetano Veloso, Cat Stevens, Bob Dilan, Bob Marley, Fernando Collor de Melo, Luiz Gonzaga, Carlos Gardel, Gabriel Garcia Marques, Jorge, Amado por muito deles, Paulo Coelho, José de Alencar, Tiradentes, Juca Chaves, Jô Soares, Milton Nascimento, Ken Follet, Lampião e de Marias bonitas também, Júlio Verne, Oscar Wilde, Mário de Andrade, Bach, Beethoven, Strauss, Graciliano Ramos, Steven Spielberg, Maria Bethânia, Gal Costa, Carpenters, Van Gogh, Ique, Chico Caruso, João Ubaldo Ribeiro, Rubem Braga, Sônia Braga, Roberto Carlos Braga, Marcelo Braga, Cervantes, Umberto Eco, Millôr Fernandes, Martinho Lutero, Martinho da Vila, Villa-Lobos, Luíz Melodia, Mozart, Verdi, Gilberto Gil, Secos e Molhados, Mutantes, Beto Guedes, Renato Russo e da Legião Urbana também, Jesus Cristo, Sidarta Gautama, Maomé, Krishna, Zoroastro, Zumbi, Gandhi, Madre Tereza de Calcutá, Mãe Menininha do Gantois, Jane Fonda, Salvador Dali e de outros tantos anônimos e famosos com que nos deparamos nas escuras vielas e úmidos becos da vida.
   Gostam de medicina, da alternativa então..., terapia holística, música heiki, biologia, sociologia, geografia, fotografia, astrologia, arquitetura gótica, jornalismo, marketing, espiritismo, confucionismo, telecomunicações, gastronomia, filosofia, metafísica e outras coisas mais...
   Odeiam os DONOS, os donos da verdade.
   Amam viver em liberdade e são assim a maioria dos meus amigos.
   Possuem mais virtudes que defeitos. São carne e osso, porém respiram fantasia e se alimentam de sonhos.
   Assim meus amigos...
 
Marcelo Braga
Enviado por Marcelo Braga em 17/05/2011
Código do texto: T2975213
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