A rua onde moro
Moro em uma ruazinha estreita, encravada no centro da cidade, há mais de vinte e dois anos.
Quando os carros passam é preciso colar o corpo às casas, também coladas umas às outras, porque as calçadas também são estreitas. Mais parecem um fio que corre ao lado do calçamento antigo, daqueles de pequenas cidades do interior.
Outro dia eu estive pensando e, pela primeira vez, senti falta de árvores.
Na rua onde moro não há árvores.
Lembrei-me das amendoeiras descritas no romance “O amor nos tempos do cólera”, de Gabriel García Márquez.
Pensei como é triste uma rua sem árvores e sem espaço. Não tanto pelo espaço, mas pelas árvores.
Quando eu era criança – e já faz muito, muito tempo – morava na cidade satélite do Gama, em Brasília, onde as ruas eram enormes e todas do mesmo tamanho, pois foram planejadas. Apesar de serem de chão batido – o asfalto só chegou por volta do início da década de 1980, quando nos mudamos para o interior da Bahia – podíamos brincar na rua. Havia muito pouco carro. Isso era na década de 1970, em plena ditadura. Crianças, nada sabíamos do que acontecia – saberíamos muito tempo depois, já adultos – era o tempo da inocência.
Em minha casa havia um quintal enorme. Lembro-me particularmente da mangueira, pois quando florescia encantava os meus olhos. E até hoje é assim quando vejo uma mangueira em flor. Para mim é uma das mais belas imagens poéticas da natureza.
Na casa de minha tia as árvores formavam um pequeno pomar com abacateiro, jaqueira e um pé de jambo cujas flores perfumadas eram um prazer à parte.
Hoje percebo a falta das árvores na rua onde moro como a ausência da natureza no mundo objetivo e concreto que nos sufoca.
E não há poesia onde as ávores não crescem, florescem e frutificam, ou não, apenas enfeitam a paisagem que nossos olhos estão desacostumados a admirar.
Uma rua sem árvore é um jardim sem flores. Não há passarinhos, nem andorinhas, nem mesmo um beija-flor para encantar os olhos.
Parece que as árvores foram simplementes apagadas de seu espaço, como um empecilho que precisava ser removido para a construção das casas.
O resultado foi que a rua ficou espremida entre o concreto cinzento. O verde foi apagado da palheta de cores e com ele todo o encanto que poderia tornar a paisagem menos triste e oprimida.
Penso que talvez seja a hora de criarmos o movimento dos sem árvore. A natureza agradece.
Rita Venâncio.
Salvador, 16 de maio de 2011.