LARISSA RIQUELME E OS 200 ANOS DE INDEPENDÊNCIA
Na década de 80 todo jovem queria entranhar no seio das Américas; queríamos conhecer as raízes de uma América devastada pelos espanhóis e conquistada pelo capitalismo e era comum ouvirmos canções e histórias dos movimentos revolucionários da América Latina. Eu que não era nenhuma exceção, parti em minha grande aventura pelo Brasil; cruzei 10 Estados e finalmente cheguei a Argentina; depois, de carro, deixando a pátria de Guevara, entre no Paraguai através de Encarnación na Província de Itapúa.
Eu não fazia idéia do que me esperava pela frente; após ter quase cortado o Brasil ao meio e perfazer um trecho argentino, eu cheguei a uma terra estranha, de estranha gente que não falava espanhol e sim um dialeto tão esquisito que mal dava para entender. Tudo era diferente, desde a comida até as bebidas; as cidades não eram tão bem pavimentadas e a sujeira predominava, mas eu não podia simplesmente criticar; precisei conhecer mais para poder entendê-la.
Nas pesquisas eu já sabia que Aleixo Garcia, em nome da Coroa Espanhola havia feito as primeiras incursões onde hoje é o Paraguai em 1524; sabia também da forte influência das missões jesuíticas e é claro, do forte comércio de produtos ilegais como drogas, armas, carros roubados e outros itens proibidos por nós brasileiros. Ademais tudo era estranho e desconhecido e eu queria conhecer mais!
De Encarnación fui para Villarrica, Coronel Oviedo e Cidade de Leste, que na época ainda se chamava Puerto Strossner. Ao chegar em Puerto Strossner, vizinha de Foz do Iguaçu, foi que de fato eu fiquei conhecendo mais do Paraguai. Drogas são vendidas livremente nas ruas por crianças; armas de grosso calibre são oferecidas como se fossem picolés numa praia do Rio de Janeiro e uma invasão estrondosa de árabes e chineses que fazem daquele país um dos portos mais movimentados do planeta, mesmo sem eles terem acesso ao mar!
Outra coisa que eu sempre soube é que o Brasil aprontara das suas com o Paraguai, tomando-lhes terras, re-demarcando fronteiras e matando muita gente. As histórias do exército brasileiro em terras guaranis jamais foram bem digeridas por mim, porque naquela época eu cria que éramos muito mais fortes e não havíamos dado a menor chance para eles se defenderem. Eu sempre nutri que o que o Brasil fizera com os paraguaios, fora a maior covardia, e que isso é coisa de nossos governantes e nem sempre pactuamos com as decisões administrativas de nossos governos; mas eu estava enganado!
Nas conversas com os paraguaios também fiquei sabendo que a Argentina que se declarou livre da Espanha em 1810, por ser maior e mais forte, quis anexar o Paraguai às terras argentinas, formando, é claro, uma nação mais potente. Fato que foi rechaçado pelos guaranis. Com o Paraguai vulnerável o Governador da época pediu auxílio a Portugal para se defenderem dos argentinos e com isso criou internamente uma revolta militar que provocou sumariamente a sua queda do Poder e ajudando na declaração de liberdade da Espanha oficialmente em 14 de maio de 1811, um ano depois da Argentina. Esta semana o Paraguai comemorou 200 anos de liberdade dos laços da Coroa Espanhola. Foram quase 300 anos de domínio espanhol que se rompia num ato de revolução interna!
Depois de alforriados os paraguaios viram ainda uma dura ditadura pelas mãos de José Gaspar Francia nos anos seguintes que isolou o país do resto do mundo; tal ditadura que durou de 1814 até 1830 tinha por objetivo interromper os sonhos de Brasil e Argentina em dominar aquelas terras. O governante seguinte, Carlos López, abandonou a idéia de isolamento e literalmente abriu as portas do país para o comércio exterior, mas desta vez o Brasil e a Argentina impuseram duras regras para coibir o crescimento paraguaio. Entra em cena a figura de Solano López, filho de Carlos, que fora treinado pelos alemães e era General do Exército paraguaio; ele também possuía o que havia de melhor em armamentos europeus. Solano López travou batalhas para reconquistar antigas fronteiras com o Brasil e com a Argentina e chegou a ostentar um dos maiores destaques de conquistas da época.
Foi nesta época de Solano López que ocorreu o maior conflito militar da América do Sul até hoje, a Guerra do Paraguai; Brasil, Argentina e Uruguai se uniram para devastar o território paraguaio. O Exército paraguaio invadiu o Mato Grosso por ordem de Francisco Solano López. Lopez afirmara que somente fizera isso, porque o Brasil interveio numa questão política uruguaia. López também esperava que revoltosos argentinos e uruguaios ficassem de seu lado, mas não foi o que aconteceu.
Os números oficiais deste conflito são impressionantes; o Brasil mandou mais de 150 mil soldados para a guerra e destes, 50 mil não voltaram pra casa! Uruguai e Argentina perderam metade de seu contingente militar e o pequeno Paraguai perdeu mais de 300 mil vidas, além de mais de 40% de seu território para os inimigos; mas antes se viu amedrontando brasileiros, argentinos e uruguaios com seus milhares de homens tentando invadir os países vizinhos.
O Brasil somente iniciou uma ofensiva em 1867, quando o Coronel Carlos Camisão assumiu o comando de uma coluna com mais de 1500 homens e resolveu entrar em terras paraguaias. A época o Brasil não tinha um exército forte; contava em sua maioria com escravos e lavradores que formavam o Batalhão de Voluntários da Pátria; lutavam sem nada receber e por mero amor ao país!
As histórias de minha pesquisa e as contadas pelos paraguaios durante a minha primeira visita, não corroboraram com a minha antiga tese de crueldade brasileira. É fato que uma associação entre três nações relativamente grandes, exceto o Uruguai, para exterminar outra, pode conotar traços de ferocidade e até desumanidade, mas foi o Paraguai quem provocou tudo isso e assumiram o risco pelos seus atos.
Os militares paraguaios invadiram não só o Brasil como também a Argentina e ameaçavam rumar para Montevidéu através da Bacia do Prata. Pode parecer ridículo, mas Solano López quase conseguiu por em prática o seu plano secundário, que era o de controlar o Cone Sul. Somente depois do tratado da Tríplice Aliança é tudo começou a mudar!
Com o recuo de Solano López e o fortalecimento das tropas aliadas o General Osório, comandante brasileiro, aportou no Paraguai para encerrar um capítulo sangrento e criar outro; era a vez dos aliados invadirem as terras, em 1866, de quem antes nos invadiu. Era a época da chegada de um dos nomes mais conhecidos de nós e mais temidos pelos paraguaios; Duque de Caxias, que em 25 de Julho de 1868 chegou a bombardear Assunção, provando definitivamente que o Paraguai havia sido conquistado pelos brasileiros. Em 1º de janeiro de 1869 Assunção estava completamente tomada pelos brasileiros sob o comando de Caxias.
1870 foi o ano em que os paraguaios viram de perto a ira do exército brasileiro; como Solano López não se rendia e quase todo os país já estava dominado pela Tríplice Aliança. Uma ação truculenta e covarde, esta sim; um grupo de militares passou a matar todos os civis, saudáveis ou enfermos, como forma de aniquilar qualquer força produzida por López. Solano Lopez foi ferido pelo Cabo Chico Diabo e morreu num cerco a última resistência paraguaia e em 20 de junho do mesmo ano o Brasil assinou acordo de paz com o novo Governo paraguaio.
Os números oficiais da época dizem que 90% dos paraguaios pereceram ao final da guerra; livros modernos fixaram este número em 20%. Os anais da guerra também afirmam que quase toda a população masculina do Paraguai foi morta em combates ou em detrimento de doenças causadas principalmente em decorrência da falta de higiene. Alguns historiadores também afirmam que milhares de mulheres que não morreram foram estupradas e capturadas como se fossem objetos singulares e troféus de guerra!
A guerra entre Brasil, Argentina, e Uruguai contra o Paraguai é mais uma das inúmeras estupidezes modernas, onde o homem isoladamente almeja conquistar aquilo que jamais foi seu e que tem a tiracolo um punhado de ridículos e atrozes servis; que empunhando qualquer tipo de arma, vitima inocentes em nome de uma causa inútil e falida de direito.
A República do Paraguai comemorou esta semana 200 anos de liberdade da Espanha, mas guarda cada outra data para poder comemorar, quando seus outros algozes deixaram seu solo nacional.
Mesmo ainda sendo um dos maiores redutos de tráfico de drogas do planeta; mesmo tendo uma justiça falida e corrupta; uma força armada que controla o Estado até hoje, mas que se disfarça de democracia; mesmo tendo um comércio cujo pilar é o crime; mesmo permanecendo com os mesmos pensamentos de Solano López, cuja idéia megalômana de possuir mais, custe o que custar; o povo paraguaio merece nossos respeitos, porque sofreu na pele e pagou um preço muito alto, em desafiar vizinhos como nós.
Que esta nova geração de paraguaios consiga regenerar as velhas feridas e que juntos possamos restaurar a ordem na parte baixa de nosso mapa, combatendo os desmandos e os crimes, para que possamos nos orgulhar, não daqui a mais 200 anos, mas já no próximo amanhecer, que somos vizinhos, irmãos e amigos; e que juntos possamos criar uma América do Sul mais respeitada e mais agradável, porque somos povos de bem e desejamos apenas crescer e multiplicar nossas melhores experiências!
Da mesma forma que lhes devolvemos os troféus de guerra em 1975, esperamos também ter de volta a nossa paz nas fronteiras paraguaias, porque para isso ocorrer, somente depende deles cooperarem. Queremos do Paraguai, muito mais Larissa Riquelme; muito mais o futebol arte e todas as suas tradições culturais
Felicidades a todos los paraguayos en la fecha aniversario de su independencia de España! Saludos al presidente Fernando Lugo y mi amigo diputado Eugenio Rojas, gente que conocí durante mis viajes en Paraguay!
Carlos Henrique Mascarenhas Pires