SIMPLES ASSIM
Tranquei numa gaveta o cinismo, a ironia e o sarcasmo. Eles que se entendam naquele espaço exíguo.
Escreverei aqui lembranças boas de se lembrar, apesar de não conseguir me recordar de qual das figuras de linguagem estou fazendo uso. Sei que é aquela do exagero.
Uma das primeiras coisas que meu cérebro acusa recebimento é uma pescaria numa ilha com meu pai e alguns amigos dele.
Um barco a motor, a água deslizando ao meu lado no pequeno trajeto entre o continente e a tal ilha. Pegamos muitos peixes. Alguém achou um cacho de bananas no meio do mato. Havia palmito também, mas este foi poupado porque daria muito trabalho para retirar.
Na seqüência, tenho as festas de São Pedro que fazíamos aqui na rua. A nossa humilde pseudo avenida não era asfaltada, então a fogueira era possível.
Balões ainda não eram proibidos. Na copa de 1970, quem olhava para o céu aqui em São Paulo tinha a impressão de que estava havendo uma invasão extra-terrestre.
Seres de outros planetas chegavam em balões com os mais diversos formatos. Nunca consegui fazer um balão-cruz. Acabei me especializando em balão-mexerica.
Mas isso era nas férias de junho/julho. Durante os intermináveis bimestres escolares eu tinha outra preocupação: a minha letra.
Professores do primário e do ginasial descontavam pontos por causa da minha letra garranchosa. Quando fui estudar contabilidade no colegial é que uma das minhas mestras percebeu a minha estranha e incorreta maneira de empunhar lápis e canetas.
Corrigida esta falha minha letra ficou legível. Mas aí já era tarde, o conteúdo já estava contaminado. Eu cometia textos irascíveis, era irônico até a medula e usava de cinismo até para elogiar alguma coisa.
Hoje vejo que escrever não é tão difícil. É só arrancar o próprio coração e deixá-lo ao lado do teclado. Simples assim.