A casa Nova Vida
Ontem resolvi manifestar minha disposição para o trabalho voluntário. Sou enxadrista. Fui até um centro terapêutico de recuperação da sanidade mental. É um ambiente aberto. A proposta manicomial é livre. Sem trancafiamento exceto os de ordem química. Esperei para que a moça marcasse um horário, o que foi feito uma semana mais tarde. Retornei. Aguardei uma hora para ser atendido. Outra atendente cordial ouviu o assunto do xadrez. Disse que levaria o caso para assembléia. Sublinhei o quanto em casos não graves o xadrez poderia desempenhar um grande papel e... Ela sorriu, disse que não sabia jogar. Escreveu na agenda: xadrez e riu.
Fiquei na sala dos passos perdidos examinando com cuidado o que se passava em torno de mim. Tive a mesma impressão da administração pública, das escolas e até dos hospitais. Com o tempo de mecanização humana no trabalho surge o desinteresse científico para desvendamento dos problemas mais graves. O caos dos valores. O jogo de poder pessoal destitui de importância essa evidência. Vale a correlação catalográfica. Perde-se a noção da busca de algo novo. Tudo sucumbe na tradição. Todos estão se livrando das suas atividades diárias como um fardo pesado. Nada novo pode ser inserido neste contexto. Menos ainda um misterioso jogo, pensei comigo como se isso fosse à visão geral das coisas.
A casa Nova Vida possui pouca estrutura para tanto. É composta de arquitetura egoísta, frágil e meramente simbólica. Há grande demanda e muita deficiência para que possam estudar os casos de loucura com o manto da ciência sob a luz do mistério. A admnistração púbica deixou de ser científica desde os primados fordistas da geração de trinta. É um amontoado político de interesses que convergem para os mesmos salários. Tudo é pintado com muita cor, muita rapidez e pouquíssimo exame.
Na esfera pública há grande agilidade para estreitar, punir e cobrar.
Em casa montei o taboleiro e comecei a jogar em silêncio. Ali estava a humanidade inteira.